As duas

Magdalena Carmem Frieda Kahlo y Calderón nasceu em 1907 em Coyoacán, nas proximidades da Cidade do México. Filha de um imigrante húngaro-germânico com uma descendente de índios e espanhóis. Aos 6 anos, contraiu poliomielite e sua perna direita atrofiou, o que a levou a usar, por toda a vida, um figurino com saias longas e calças compridas. Em 1925 estava em um ônibus que colidiu com um bonde e uma barra de ferro atravessou do seu abdômen até o seu quadril, deixando-a debilitada para sempre. Por um longo período ficou deitada, sem muita mobilidade e, com as tintas do pai, que era fotógrafo e também pintava, passou a fazer trabalhos olhando-se num espelho suspenso sobre a cama. Autodidata, aprendeu a pintar vendo as reproduções de grandes pinturas da história da arte. Ao melhorar e sair da cama, decidiu que queria ser pintora e procurou o artista Diego Rivera, que estava trabalhando num mural perto do Ministério da Educação na cidade, para mostrar suas pinturas e pedir uma avaliação. A partir daí teve início uma turbulenta história de amor entre eles com inúmeras traições, decepções, separações e retornos, mas com uma paixão avassaladora que os manteve conectados até o fim da vida de Frida. Uma das grandes decepções da artista era o fato de não poder ter filhos em consequência de suas condições físicas após o acidente. Muitas vezes pintou essa questão de maneira angustiante e dolorosa.

 

As duas Fridas, Frida Kahlo, 1939.

 

Sua pintura é autobiográfica e mais de um terço de sua produção são autorretratos. “As duas Fridas”, pintura de 1939, é um autorretrato em que vemos Frida duplicada em figuras de mãos dadas. Uma está vestida de branco com trajes europeus, a outra veste trajes regionais segurando um retrato de Diego Rivera. A imagem parece um amuleto de onde sai uma veia diretamente do coração. As “Fridas” representam o pai e a mãe, a cultura europeia e a mexicana, e sublinham a dualidade existente – os opostos que coexistiam dentro dela –, as suas heranças genéticas e a relação que estabelecia com o próprio país.

As duas Fridas possuem diferentes tons de pele e a europeia tem um semblante mais suave. Elas não se encaram. As imagens se ligam por uma corrente sanguínea e pelas mãos dadas, denotando uma tentativa de harmonia entre as dualidades. O céu ao fundo é tempestuoso, agitado – não um horizonte tranquilo – como era o interior da artista, tão fragmentado entre suas dores e paixões, suas limitações físicas e a mente criativa.

Frida dizia: “Pinto a mim mesma porque sou sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor”. Sim, a mulher que permaneceu anos de sua vida presa em si mesma lutando contra seus limites internos e externos, encarando suas dores com muita fibra, não poderia falar de um assunto mais atraente.

 

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.