Azul é uma cor de bom agouro

Quando pensamos na Índia, uma das coisas que pode vir à nossa mente é a profusão de cores e enfeites nos trajes e na decoração de ambientes. Essa característica, também, é comum em templos e altares para a devoção de deuses hindus que os indianos cultuam.

O hinduísmo é considerado uma filosofia de ordem religiosa que engloba tradições culturais, valores e crenças obtidas através de diferentes povos, num caráter pluralista e sincrético de cultos, deuses e seitas. Um dos deuses mais famosos do panteão hindu é Shiva, considerado o terceiro da trimurti (em sânscrito significa três formas). A tríade dos deuses é composta por Brahma (a criação), Vishnu (a conservação) e Shiva (destruidor e regenerador da energia vital).

Shiva, o auspicioso, é o deus dos yogis por sua capacidade de transformar sentimentos e situações ruins em boas. Sua figuração, como a dos inúmeros deuses e deusas indianos, que é reproduzida em estátuas, objetos e ilustrações tanto decorativas quanto para funções religiosas, não está atrelada a artistas conhecidos. A arte indiana se confunde com o artesanato como, por muito tempo na arte ocidental, aconteceu até o Renascimento do século XV, quando a autoria de objetos de arte passou a ter enorme relevância no pensamento humanista da época.

 

Representação de Shiva sentado em tecido decorativo.

 

Na cabeça da imagem de Shiva há um jarro com água, simbolizando a pureza referente ao elemento, que foi bondosamente concedido aos homens mortais, e que, segundo os hindus, representa o rio Ganges, na Índia. Ainda na cabeça do deus está uma lua crescente que significa a renovação constante da natureza de todas as coisas.

As escrituras védicas, consideradas sagradas no hinduísmo, enaltecem que Shiva possui o pescoço azul por ter bebido um oceano de veneno para que não prejudicasse ninguém ao seu redor. Nesse feito, não permitiu que a água envenenada chegasse ao seu estômago, deixando-a presa no pescoço e assim ficou conhecido como “Garganta Azul”. A imagem mais recorrente dele é com a pele toda azul, semblante sereno e feições delicadas trajando uma pele de tigre. Costuma ser apresentado sentado, na posição de lótus, com um braço sobre uma das pernas e o outro suspenso com a mão em sinal de benção. Pode, também, aparecer com quatro braços segurando elementos que sempre acompanham suas imagens: o trishula, tridente cujas pontas são representadas pelas tamas (inércia ou existência), pelas rajas (movimento ou firmamento) e pela sattva (equilíbrio ou trevas); um tambor que seria uma menção ao som primordial da criação; e a chama da destruição. Outra posição muito frequente de apresentação do deus Shiva é dançando em seu bailado cósmico sobre um anão maléfico que significa a superação da escuridão.

Imagens de deuses ao longo da História, independente da crença de cada um, seja através da pintura, do desenho ou da escultura, são ótimas experiências estéticas, pois costumam carregar boas referências visuais das culturas em que estiverem inseridas. A cultura indiana é riquíssima em cores, ornamentos e adereços, e suas representações divinas não fogem à regra.

 

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.