Grito das gorilas

Em 1985, um grupo de mulheres se juntou em resposta à exposição “An international survey of recent painting and sculpture”, que buscava reunir os artistas mais importantes da década no Museu de Arte Moderna de Nova York. Haviam, expostas, obras de 165 artistas e somente 13 eram de mulheres. Elas decidiram se juntar para protestar e refletir sobre o papel e o lugar da mulher na arte e daí criaram as Guerrilla Girls.

O nome do grupo advém de uma junção das palavras guerrilha e gorila. As artistas usam uma máscara de gorila em todas as aparições em público, pois acham que o anonimato auxilia a não tirar do foco os temas que estiverem discutindo, que, em geral, são recortes do cenário de arte na cidade de Nova York. Com elementos da cultura pop e um humor ácido, os cartazes sempre foram parte fundamental da estratégia de luta das Guerrilla Girls. Décadas antes da internet, espalhar pôsteres provocativos e críticos era uma maneira com a qual o grupo de jovens mulheres alertava sobre os desequilíbrios nas artes, ainda mais quando seus protestos tinham pouca adesão e eram facilmente ignorados pelas grandes galerias e pelos museus.

Um dos trabalhos de início de carreira do grupo, em 1985, foi um cartaz em que elas divulgaram a quantidade de exposições individuais de mulheres em Nova York, citando as principais instituições culturais como o Metropolitan, o MOMA, o Guggenheim e o Whitney. Apenas no MOMA, havia o registro de uma única exposição de artista mulher. Em 2015, as Guerrilla Girls atualizaram esses dados e o número aumentou para – pasmem – apenas uma exposição por museu.

Em 1989, o grupo comparou a quantidade de nus de homens e mulheres em obras no Metropolitan. O resultado dessa pesquisa gerou o cartaz que questionava: “As mulheres precisam estar nuas para entrar no Metropolitan?”. Nele, as artistas diziam que, no museu, menos de 5% das artistas são mulheres, mas 85% dos nus são femininos. O cartaz traz uma apropriação do famoso nu pintado por Jean-Auguste Ingres em 1814, “A grande Odalisca”, com a cabeça coberta pela máscara de gorila das Guerrilla Girls.

 

Cartaz, Guerrilla Girls, 1989.

 

Em 2017, as veementes gorilinhas tiveram uma exposição no MASP e adaptaram o famoso cartaz com os seguintes dizeres: “As mulheres precisam estar nuas para entrar no Museu de Arte de São Paulo? Apenas 6% das artistas do acervo em exposição são mulheres, mas 60% dos nus são femininos”.

Segundo as Guerrilla Girls, todas as decisões estéticas têm valores envolvidos e, se essas decisões são tomadas sempre pelas mesmas pessoas, que conduzem o mundo da arte hoje, não se está construindo uma história da arte, mas uma história do poder.

Avaliando esse pensamento é possível perceber que a arte não fala por si só, mas está atrelada a questões como gênero, etnia, sexualidade e ideologias que promovem discussões comportamentais e políticas. É de acordo com as conveniências do “status quo”, que tais questões se tornam relevantes ou não, e acabam se tornando muito mais importantes do que as obras de arte em si.

A arte contemporânea colabora com trabalhos engajados em causas como a das Guerrilla Girls, uma vez que é muito discursiva, privilegiando as ideias sobre o resultado final, abrindo um amplo espaço para reflexões a despeito da pura apreciação estética. Norteados por todo um cenário de arte conceitual, os trabalhos das “mulheres gorilas” são um constante convite ao debate sobre mulheres artistas e seu papel na história da arte atual.

 

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.