H de Hélice

Você já ficou intrigada com o porquê de haver um item comum em posição de destaque em uma galeria de arte? E mesmo após observar com atenção ficou filosofando: “Massa, mas o que essa combinação entre um prato azul e uma hélice amarela pode mesmo significar?”

Pensando nisso, montamos para você um glossário de A-Z de objetos poéticos das artes visuais e realizamos uma curadoria cuidadosa de artistas e obras no contexto atual.

 

Bora falar de Arte?

 

Ilustração: Clarissa d’Errico.

 

Na postagem anterior conversamos sobre a letra “G” de garrafa e a exposição da artista Claudia Tavares, Um jardim em Floresta, que esteve no Palácio das Artes em 2018.

A próxima letra na ordem alfabética é o “H” e o objeto que escolhemos desta vez é a hélice. Para nós foi um desafio selecionar um item do cotidiano com essa letra. Porém não só encontramos um objeto lúdico, mas também um artista que tem tudo a ver com esse glossário. Continue lendo para conhecer mais.

 

Hélice

Liquidificador, avião, aspirador de pó, drone, helicóptero, ventilador, navio… o que tudo isso tem em comum? Um objeto dentro deles que pode ser pequeno ou gigante: a hélice.

A hélice é um conjunto de pás voltadas para o mesmo centro que gira e pode causar a propulsão do objeto ou do ar em volta. Explico: as hélices podem fazer objetos se moverem, como os aviões e os navios; ou fazer o ar se movimentar, como o ventilador e o aspirador de pó.

A hélice normalmente é acompanhada de um motor e ajuda outro objeto a fazer sua função. Observe ao seu redor, quantos objetos podem ter uma hélice dentro? Se você estiver lendo esse texto no computador, certamente há uma hélice girando dentro dele. Elas também são muito associadas ao voo: aviões, helicópteros, drones. Os pirocópteros são brinquedos voadores feitos somente com a hélice e uma haste, com eles observamos o voo descompromissado da brincadeira.

 

Ilustração: Clarissa d’Errico.

 

Guto Lacaz

Guto Lacaz  é brasileiro e tem múltiplas identidades no campo da criação: artista multimídia, designer, arquiteto, cenógrafo, inventor… ele se diz um especialista para tudo em geral: inventa problemas para solucioná-los. Quando criança gostava de desmontar seus brinquedos para saber como eles funcionavam por dentro, era uma aula de anatomia do objeto. Hoje ele constrói objetos cotidianos deslocados de sua função primária e explora as possibilidades tecnológicas nas artes visuais, utilizando o humor e a ironia.

Esse caráter investigador e amante dos objetos fazem de Guto Lacaz um artista modelo para o “Bora falar de arte?”, que nesta semana teve a difícil missão de achar um objeto na arte que iniciasse com a letra H. No entanto, vamos ver que são muitas as obras com hélices desse adorável artista. É a hélice do ventilador, hélice do aspirador de pó, hélice do drone e até uma vassoura hélice. E vamos falar um pouco de cada obra.

Eletro Esfero Espaço (1986/2016)

Eletro esfero espaço é uma das obras mais conhecidas de Guto Lacaz, nela reúnem-se um conjunto de aspiradores de pó, esferas de isopor, um longo tapete vermelho e uma música clássica ambiente. Usando esses elementos, é criada uma instalação onde os aspiradores de pó estão lado a lado em duas fileiras, e as hélices dos motores foram alteradas para que ao invés de sugar o ar, elas o soprem e assim sustentem as bolas de isopor que flutuam no ar – para cada máquina uma esfera. O tapete fica ao centro das duas fileiras para que o visitante possa caminhar no meio enquanto ouve a música. Essa brincadeira com objetos comuns e remontados faz o público sentir-se parte de um espetáculo lúdico em que os aspiradores são como personagens.

Máquina V (2009) e Ludo Voo (2015)

Nas obras Máquina V e Ludo Voo, Guto utiliza-se da performance para mostrar o caráter inventivo em sua obra e seu interesse pelo não funcional. O que é inútil adiciona o caráter lúdico e humorado em suas pesquisas como artista e, junto ao seu parceiro de trabalho, Javier Judas, formam o Coletivo Sem Título que desenvolve diversas performances, inclusive as citadas.

A performance, como compreendida hoje, teve início nos anos de 1950 com a experimentação de artistas que sentiam necessidade de usar o corpo nas obras e adicionar tempo e espaço a elas junto à presença do público. É uma forma de expressão artística que pode utilizar recursos do teatro, da dança e da música. Nesses trabalhos do Coletivo Sem Título, a iluminação, a trilha sonora e os artefatos cotidianos são convertidos em elementos da performance. Até a roupa escolhida é chave para o trabalho: eles usam terno e gravata, como se fossem homens de negócio ou vendedores fazendo demonstração dos produtos.

Os trabalhos de Guto vão sendo alimentados por novos objetos, experiências, invenções e trabalhos antigos. Ele conta que sua relação com objetos adquiridos e ainda não incluídos em obras é de uma convivência lúdica, na qual ele vai cotidianamente sentindo e experimentando as possibilidades. Máquina V apresenta novamente o aspirador de pó invertido e a bola flutuante, agora em uma forma mais descontraída, mostrando ao público a forma de fazê-la. Nessa brincadeira de expor engenhocas, podemos ver uma vassoura cujo cabo foi preso na broca da furadeira e convertida em hélice.

Ludo Voo é uma homenagem à aviação e ao sonho ancestral de voar. A performance é construída em sete atos, onde manipulam objetos, como se fosse uma demonstração ao público da utilidade de difícil compreensão deles. Nesse desejo de voo, a hélice é um elemento constante, seja no ventilador que tenta ventar o suficiente para fazer coisas voarem, em uma hélice feita com um bumerangue e um motor que gira, seja, por fim, em um drone que, vestido de cubo, sobrevoa a sala de apresentação.

Para Guto Lacaz é necessário diferenciar a arte da obra de arte: obra de arte é o objeto feito pelo artista, já a arte é o que está entre a obra de arte e o público que se relaciona com ela. A arte por ele é entendida como uma energia.

Você conhece algum outro artista que também usou hélices? Você pensou em outro objeto com a letra “H”? Conte para nós por meio das mídias sociais, usando a hashtag #borafalardearte.

Semana que vem, vamos conversar sobre a letra “I”, “I” de isopor, refletir sobre nossa relação com esse objeto e apresentar um artista que trabalha com isso. O nosso convite continua aberto, bora falar de arte? Lembre-se de acompanhar as mídias sociais da Fundação Clóvis Salgado para se manter atualizado sobre a arte contemporânea!

 

Para curiosos:

Leia o conteúdo anterior, Bora falar de arte? G de Garrafa

Acesse o Instagram da Fundação Clóvis Salgado

Assista ao documentário: Guto Lacaz

Visite o site de Guto Lacaz aqui

 

Ilustração: Clarissa d’Errico.

 

Sobre as autoras:

Clarissa d’Errico é técnica em Comunicação Visual, bacharel e licenciada em Artes Visuais e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.

Daniela Parampal é bacharel e licenciada em Artes Visuais, artista visual, professora e mediadora cultural na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.