J de Jornal

Um classificado inusitado, textos onde deveria haver publicidade, palavras cobertas, uma nova escrita do cotidiano ou uma bela obra sobre um jornal, que em alguns dias vai se desfazer. Às vezes, nos deparamos com situações artísticas que nos deixam inquietos, tentando entender o que há de arte naquilo. Pensando nisso, montamos para você um glossário de A-Z de objetos poéticos nas artes visuais e realizamos uma curadoria de artistas e obras no contexto atual.

 

Bora falar de Arte?

 

Na postagem anterior, conversamos sobre a letra “I” de isopor e conhecemos a pesquisa do artista Marcone Moreira e seu trabalho Visualidade Ambulante, no qual usa caixas de isopor trocadas com vendedores ambulantes.

A letra de agora é o “J” e o objeto escolhido é o jornal. O jornal é onde as notícias mais atuais circulam. Ele pode ser impresso em papel, uma publicação num site na internet ou um programa na TV.

São muitos os artistas que trabalham o jornal e de formas diversas. Nesta postagem, escolhemos uma artista que se conectou com as imagens presentes nesses impressos e a partir delas fez pinturas sem usar tinta.

 

Ilustração: Daniela Parampal.

 

Patricia Franca-Huchet

Patricia Franca-Huchet é professora, pesquisadora e artista da imagem. Em sua prática, navega por diferentes suportes para dar forma às suas criações: desenhos,  objetos, bordados e instalações, mas que teve como ponto de partida a pintura e a fotografia. A pintura como uma superfície de experiências e conhecimentos e a fotografia como produção de imagens mais próximas do real. Ela se sente dentro das imagens que produz e não, simplesmente, como alguém de fora observando ou administrando.

Em 2012, junto aos artistas Gladston Costa e Ricardo Burgarelli, Patricia realizou a exposição Jornal da Imagem | Imagem do Jornal. Nela o jornal fez o elo das três produções. Esse objeto apresenta em si características que o faz ser reconhecido rapidamente: a forma de compor texto e imagem, a textura, a multiplicidade e seu caráter etéreo, simples, que se desmancha ou desatualiza em pouco tempo.  Como proposição e desdobramento da exposição, foi editado um Jornal/catálogo6 com o mesmo título da mostra. A publicação foi composta por textos, por proposições plásticas dos artistas e por entrevistas a convidados especiais.

 

Suíte jornal (2012)

Uma página de jornal: no topo, centralizado, uma bela imagem de uma pintura da torre de babel… Todo o texto foi anulado ao ser recoberto por uma opaca camada de vermelho – não foi uma ação impulsiva. Aproximando, percebemos que o vermelho foi minuciosamente colocado sobre as palavras, em um gesto de atenção e cuidado. Algumas letras e palavras ficaram mais visíveis, como se escapassem do total controle. A escolha da cor vermelha parece sintonizada com a imagem também escolhida e ressaltada pela ausência do texto escrito – a cor dá unidade. Mesmo o vermelho não sendo tinta, e sim um adesivo, é imediata a lembrança de uma pintura monocromática. Vamos nos afastando dessa página de jornal na parede e percebemos outras páginas cuja operação foi a mesma: uma bela imagem, a escolha de uma cor, os gestos cuidadosos recobrindo as palavras. Esse conjunto revela uma prática de longas horas e dias, como a leitura do jornal que não se encerra: todo dia, uma nova edição do diário recebido, aberto, lido de página em página, acompanhando as notícias intermináveis; assim como, diariamente, recobrir as palavras com cores e fazer a imagem aparecer.

Suíte jornal  é a obra narrada e foi apresentada pela artista na exposição. Ela conta que iniciou essa pesquisa em 2008, utilizando corretivo de fita, mas não gostou do resultado. Passado um tempo, ela viu a possibilidade de trabalhar com vinil adesivo e usar a cor para recobrir a palavra em composições simples. No início, era uma prática leve e despretensiosa, que ela fazia pelo prazer dos gestos e de uma experiência de esvaziamento, quase meditativa. Aos poucos, o trabalho foi ganhando corpo e as páginas foram criando relações entre elas. Questões que o trabalho carregava foram tomando contornos e entendimento. Os jornais trabalhados foram pensados como documentos que espelhavam um tempo e um território onde foram concebidos.

 

Ilustração: Daniela Parampal.

 

Você conhece algum outro artista que também usou o jornal? Você pensou em outro objeto com a letra “J”? Conte para nós por meio das mídias sociais, usando @fcs.palaciodasartes e também as hashtags #borafalardearte e #educativofcs.

Semana que vem, vamos conversar sobre a letra “L”, “L” de linha, refletir sobre nossa relação com esse objeto no cotidiano e apresentar uma artista que trabalha com ela. O nosso convite continua aberto, bora falar de arte? Lembre-se de acompanhar as mídias sociais da Fundação Clóvis Salgado para se manter atualizado sobre a arte contemporânea!

 

Ilustração: Daniela Parampal.

 

Para curiosos:

Leia o conteúdo anterior, Bora falar de arte? I de isopor

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Sobre as autoras:

Clarissa d’Errico é técnica em Comunicação Visual, bacharel e licenciada em Artes Visuais e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.

Daniela Parampal é bacharel e licenciada em Artes Visuais, artista visual, professora e mediadora cultural na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.