N de Nó

Vejo emaranhados, sem forma definida, pendurados e sobre bases. Quando chego perto, vejo que se trata de papel torcido, como se tivesse sido fiado, esse fio ganha nós, nós que crescem sem controle. Imagino a mão que fez esses movimentos, em um trabalho contínuo, nó por nó.

Você já entrou em uma galeria e encarou fixamente uma obra de arte sem saber ao certo o que ela fazia ali ou o que ela tentava lhe dizer?

A arte nos convida a refletir e a questionar. E para abrir mais possibilidades e pensar sobre o assunto, estamos criando um glossário de A-Z de objetos poéticos nas artes visuais, realizando uma curadoria de artistas e obras no contexto atual.

 

Bora falar de arte?

 Foto: Daniela Parampal.

 

Na postagem anterior, conversamos sobre a letra “M” de mesa e conhecemos um pouco da pesquisa da artista Anna Maria Maiolino e de seus trabalhos que usam esse móvel não só como o suporte, mas parte da obra.

A letra de agora é o “N” e o objeto escolhido é o nó.

 

E nó é objeto?

Não exatamente, mas usamos e fazemos. Ele é bastante útil, mas também é sinônimo de problema; já tentou desatar um nó apertado?

Usamos a palavra “nó” para designar o enlaçamento de duas pontas, a ligação entre pessoas, uma questão desafiadora, a parte mais dura de uma madeira, entre muitos outros significados.

Hoje escolhemos falar do nó nos fios, cordões e barbantes, aquele que une pontas ou seguram o fio solto da costura. Nó segura, amarra, guarda, protege, mas também prende e aperta. Estão presentes em muitos objetos do nosso cotidiano, como no cadarço do tênis, nos fios de eletrônicos que enrolamos suavemente ou em um pacote embrulhado firmemente. Preste atenção ao seu redor, onde mais os nós podem estar?

 

 Foto: Daniela Parampal.

 

Mira Schendel

Mira Schendel nasceu na Suíça em 1919 e imigrou para o Brasil aos 30 anos. Aqui, Mira se dedicou às artes e se tornou um dos principais nomes da arte contemporânea brasileira, produzindo até o fim da década de 1980, quando faleceu aos 69 anos. Seu trabalho é reconhecido pela delicadeza de materiais, suportes e formas de apresentação. Muitos dos desenhos foram feitos para serem expostos sem molduras, evidenciando as transparências e sutilezas dos materiais.

A experimentação intensa é um aspecto notável quando olhamos as obras de Mira Schendel, que transita especialmente pela bidimensionalidade: pinturas, desenhos, gravuras, monotipias e livros de artista. E, embora essas obras fossem realizadas em superfícies de duas dimensões, na montagem tomavam conta do espaço, ficando suspensas e assim revelando as luzes que atravessam a obra, volumes e versos. A transparência foi tema de pesquisa em muitos trabalhos, fazendo uso de placas de acrílico e papel de arroz. Mira também é lembrada pelas composições com letras, palavras e símbolos gráficos.

A monotipia foi bastante explorada pela artista, uma espécie de desenho feito pelo verso do papel. Mira fazia assim: sobre uma superfície lisa com tinta colocava a folha de papel cuidadosamente, para fazer o desenho era necessário pressionar o papel sobre a tinta – com algum objeto fino ou as mãos. Assim a tinta era transferida para o papel e a imagem se formava sem que fosse possível vê-la durante o processo. Nessa técnica, o papel de arroz foi muito usado, por ser fino, resistente e incorporar bem a tinta.

 

Droguinhas (1965 – 1966)

Entre 1965 e 1966 Mira desenvolveu uma série de obras intitulada Droguinhas. Essa série é composta por estruturas flexíveis e tridimensionais feitas com papel de arroz branco. Para construir essas esculturas ela torcia o papel e dava nós, assim o papel ganha mais uma dimensão, o espaço. O título da obra carrega uma ideia de insignificância ou algo que não está bom; o diminutivo, Droguinha, traz a ironia e atribui leveza ao processo de produção.

Um ponto significativo nessa série é o fato dela ter sido concebida como esculturas efêmeras no desejo de que não fossem comercializáveis, em oposição às esculturas tradicionais e ao sistema da arte que capitaliza tudo. Tal ideia de desmaterialização da arte e oposição ao mercado foram questões fundamentais para muitos artistas dessa época, que lançaram mão de performances, instalações e objetos impermanentes. Apesar desse desejo da artista, muitas Droguinhas sobreviveram ao tempo e são preservadas em acervos e coleções, possibilitando o mínimo de acesso a elas 50 anos depois.

O processo de repetição dos gestos, a exploração da matéria e suas qualidades (permeabilidade, opacidade e adensamento), bem como os vazios que a própria forma gera – leveza, ritmos e silêncios – criam um vasto território de produções da artista. Essas questões estão presentes em Droguinhas e constituem uma permanência durante toda a obra de Mira Schendel.

 

Foto: Daniela Parampal.

 

Você conhece algum outro artista que também usou nós para compor uma obra? Pensou em outro objeto com a letra “N”? Conte para nós por meio das mídias sociais, usando as hashtags #borafalardearte, #educativofcs e também @fcs.palaciodasartes.

Na próxima publicação, vamos conversar sobre um objeto com a letra “O” e refletir sobre nossa relação com algum objeto cotidiano, além de conhecer um artista que trabalha com ele. O nosso convite continua aberto, bora falar de arte? Lembre-se de acompanhar as mídias sociais da Fundação Clóvis Salgado para se manter atualizado sobre a arte contemporânea!

 

Ilustração: Clarissa d’Errico.

 

Para curiosos:

Leia o conteúdo anterior, Bora falar de arte? M de Mesa

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Visite virtualmente aqui a exposição Sinais / Signals Mira Schendel realizada no MAM-SP em 2018.

 

Sobre as autoras:

Clarissa d’Errico é técnica em Comunicação Visual, bacharel e licenciada em Artes Visuais e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.

Daniela Parampal é bacharel e licenciada em Artes Visuais, artista visual, professora e mediadora cultural na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.