Grupo Corpo em BH

30/08/23 - 03/09/23

Grande Teatro Cemig Palácio das Artes

Foto: Divulgação

Quase como o dia e a noite: a temporada do Grupo Corpo em Belo Horizonte vai trazer duas criações opostas em sua paleta e na densidade. O solar Gil Refazendo, de 2022, abre as noites com a costura luminosa e sensual das canções de Gilberto Gil. Na segunda parte, o negro toma conta do palco para a fascinante, angulosa e percutida Breu, de Lenine, uma das coreografias que há mais tempo não é vista pelo público brasileiro – foi dançada no país somente em 2007 e 2008. 

O Grupo Corpo tem o patrocínio master do Instituto Cultural Vale e patrocínio do Itaú , da ArcelorMittal, da Cemig e do Instituto Unimed-BH através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.

Gil Refazendo é a mais recente criação do Grupo – um balé que refizemos, justamente, pela primeira vez em nossos 48 anos, para que ficasse exatamente como gostaríamos”, afirma o diretor artístico Paulo Pederneiras. “Foi uma decisão corajosa, a de recriar do zero – mantendo a mesma trilha – e pode ser vista como uma metáfora da necessidade de se refazer tantas coisas importantes destruídas nos últimos anos”.

Ele fala também da escolha de Breu neste programa. “É uma das obras mais fortes do repertório do Corpo, uma trilha extraordinária criada por Lenine”, continua Paulo. “Há muito queríamos remontá-la; foi escolha unânime por parte da companhia, hoje com bailarinos que nunca haviam dançado essa obra. Fora isso, Breu fala da violência que veio se intensificando nos últimos anos. E mais: exige muito preparo físico e técnico dos bailarinos e, portanto, bastante tempo e fôlego para chegar na excelência da sua execução”. 

 

GIL REFAZENDO


coreografia; Rodrigo Pederneiras

música: Gilberto Gil

cenografia e iluminação: Paulo Pederneiras
figurino: Freusa Zechmeister

 

A trilha, especialmente criada por um dos papas da música popular brasileira, Gilberto Gil, chegou às mãos de Paulo e Rodrigo Pederneiras em 2019, quando o baiano completou 80 anos. E ganhou sua primeira tradução cênica – Gil.  Ano passado, a música voltou ao palco em uma nova encarnação, no espírito de renovar, reconstruir, rever, reviver. Refazer. “Não é somente uma nova coreografia: é um novo espetáculo”, vai mais longe o diretor artístico da companhia, Paulo Pederneiras. O nome ganhou o aposto: Gil Refazendo. Assim como a música de Gilberto Gil, que se ergue na releitura de temas do compositor baiano que o Brasil conhece de cor, o balé foi reconstruído. Inteiro.

 

Além da oportunidade de homenagear Gil nos seus 80 anos, em 2022, a decisão de partir do zero foi reforçada pela transformação radical que o mundo viveu nesse período – e o Brasil em particular. “Embarcamos na ideia de um renascimento, de um refazer, replantar, reconstruir”, continua Paulo. “Gilberto Gil, com sua metafísica, suas ideias e a fundamental militância em prol do meio-ambiente se tornou uma perfeita tradução da necessidade de reconstruirmos o que foi arrasado, pôr de pé novamente o que desandou”.

A trilha é “como um rio caudaloso, de correnteza forte”, avalia o coreógrafo Rodrigo Pederneiras. “Entrei nessa dinâmica, com grupos grandes em cena, em vez da prevalência de duos e trios. E não há chão – é uma energia que sobe”.  Mesmo no final, em que a música foge do habitual encaminhamento para um ápice e opta por um ralentando, a força dos movimentos “puxa para o alto”, descreve Rodrigo. Uma única e deliciosa exceção permaneceu na coreografia renovada: o samba da Mari – solo da bailarina Mariana do Rosário na releitura de Aquele Abraço

A cenografia se apoia numa imagem de fundo em milimétrico movimento. “São imagens em zoom de girassóis que lentamente voltam à vida”, conta Paulo Pederneiras. “Gravamos por 15 dias ininterruptos a transformação das flores vivas em plantas murchas, encerradas num local fechado; na projeção do palco, invertemos o processo. O público acompanha, a princípio sem perceber e no final de maneira explícita, a vida que retorna”. Vestidos de linho em tom cru – moças de camisa sobre uma malha de duas peças, rapazes de calça e camisa de corte casual – os bailarinos dançam sob a luz “branca e simples”, diz Paulo.

Aquele Abraço, Realce, Tempo Rei, Andar com Fé, Toda Menina Baiana, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Raça Humana: na trilha de 38 minutos, surgem frases e temas de canções de Gilberto Gil – retrabalhadas, mas perfeitamente reconhecíveis nas suas variações. O arco traz quatro temáticas, ou quatro ambientes musicais, na definição do próprio compositor: um choro instrumental; uma abordagem camerística (com inspiração “em Brahms ou Satie”, aponta ele); um terceiro momento de liberdade improvisadora e, finalmente, uma construção abstrata baseada em figuras geométricas. “Círculo, triângulo, retângulo, pentágono, a volta ao círculo e finalmente a dissolução numa linha reta”, explica Gilberto Gil.

 Nos arranjos, se alternam os tambores ancestrais e as distorções do aparato eletrônico; o afoxé e o naipe de sopros de pegada jazzística; a modinha e o berimbau. As citações bailam entre si, entrecruzando-se e dialogando enquanto o arco da trilha avança.O fechamento da trilha traz ainda um poema concreto recitado por Gil, onde as cinco letras de CORPO se desdobram em CRAVO, CEDRO, FLORA, PALCO, PERNA, BRAÇO, PEDRA. “Ouvindo o resultado final, percebo que há muitos elementos da minha dimensão rítmica mesmo, elementos da Bahia, da música afrobaiana”, conclui o compositor.

 

Breu

 

coreografia; Rodrigo Pederneiras

música: Lenine

cenografia e iluminação: Paulo Pederneiras
figurino: Freusa Zechmeister

 

Tradução poética da violência e da barbárie dos dias que vivemos, Breu, balé criado em 2007, é uma demolidora partitura de movimentos escrita por Rodrigo Pederneiras. Para expressar em movimentos a densa e lancinante trilha sonora criada por Lenine, coreógrafo e bailarinos partiram para a formulação de novos códigos de movimento, repletos de angulosidade e a rispidez. 

A brusquidão das quedas e uma penosa morosidade nas subidas parece puxar os bailarinos para o chão, movendo-se com o auxílio da pélvis, dos pulsos, dos cotovelos, dos joelhos, dos tornozelos, dos calcanhares. Para manter-se de pé ou ficar por cima, é preciso ignorar o outro e encará-lo como inimigo. O individualismo, o triunfo a qualquer preço e a disposição para o confronto como estratégia de sobrevivência parecem reger os quarenta minutos de espetáculo.

A música original de Lenine combina uma vasta gama de timbres, samplers, efeitos, citações e estilos, na construção de uma instigante babel sonora. A peça tem oito movimentos que vão do hard rock aos gêneros populares e tradicionais brasileiros. Paulo Pederneiras emoldura o espaço cênico com grandes placas negras e brilhantes, dispostas lado a lado com precisão, remetendo à frieza das superfícies azulejadas. De malhas inteiriças e todo em preto e branco, os figurinos criados por Freusa Zechmeister dividem ao meio o corpo dos bailarinos: na região frontal, predominam as estampas geométricas variadas; as costas ganham, de alto a baixo, um negro intenso. Sob a incidência da luz, o brilho das malhas destaca as formas fazendo com que, aqui e ali, os bailarinos se misturem ao cenário, emprestando volume e sinuosidade à estética retilínea e bidimensional.

Informações

Local

Grande Teatro Cemig Palácio das Artes

Horário

Quarta a sábado | às 20h  Domingo | às 18h

Classificação

Livre

Informações para o público

(31) 3236-7400