S de Sapato

No limite entre o mostrar e o desfazer-se: série de gestos fotografados de um homem com seus sapatos de açúcar prestes a submergir em um rio. O que fica, o que se desfaz?

A arte nos convida a um encontro que abre possibilidades e pensamentos a partir do que nos é apresentado e do que temos dentro de nós. Para expandir esse horizonte estamos criando um glossário de A-Z de objetos poéticos nas artes visuais, a partir de uma curadoria de artistas e obras no contexto atual.

Bora falar de arte?

Foto: Daniela Parampal.

Na postagem anterior, conversamos sobre a letra “R” de rede e conhecemos a obra Trabalho, do artista Paulo Nazareth, em que ele cria uma situação inesperada com uma rede em uma exposição de arte.

Hoje vamos com a letra “S” e o objeto escolhido é o sapato.

Sapato

Protege do frio, do calor, dos espinhos e da poeira, e também é símbolo de status. Sapatos são usados há milhares de anos pelos seres humanos, seja como utensílio, seja como adorno. Hoje, já não imaginamos a vida sem cobrir nossos pés para andar pela cidade.

No Brasil, o sapato foi um símbolo social reservado a poucos. No período da colônia, pessoas escravizadas eram proibidas de usar sapatos, assim, quando alcançavam a liberdade, um dos primeiros atos era a compra de um par de sapatos. Como a maioria delas não estava habituada a cobrir os pés, o calçado era carregado nas mãos como símbolo de liberdade. Ainda hoje os sapatos são considerados uma espécie de marcador social, que, dependendo de seu modelo, limpeza, marca e uso, projeta-se algo sobre a pessoa que o calça.

Foto: Daniela Parampal.

Tiago Sant’Ana

Tiago Sant’Ana é artista visual, nascido no Recôncavo Baiano e tem a performance como sua principal forma de expressão artística. Na maioria das vezes, as ações são registradas em vídeos, fotografias e objetos. Trabalha as identidades afro-brasileiras em uma perspectiva que subverte a visão colonial, buscando recontar as histórias da escravidão e da colonização sob uma outra ótica, pensadas a partir da população negra. Sua obra se dá no contato com pessoas, lugares e situações.

O açúcar aparece como um elemento recorrente na pesquisa de Tiago. Ele é usado para falar da memória brasileira e do mercado erguido em torno desse alimento, com implicações raciais vindas do sistema de escravidão e que repercutem na atualidade.

Foto: Daniela Parampal.

Sapatos de açúcar (2018)

Em Sapatos de açúcar a ação é registrada em fotografias: Tiago segura, diante do mar, um par de sapatos feitos de açúcar.  A cada foto o artista fica mais imerso nas águas até restar somente suas mãos protegendo os sapatos para não afundarem.

Há nas imagens uma tensão pela iminência dos sapatos se desfazerem ao tocar a água. Tensão que diz do estado de cidadania precária concedido à população negra pós-escravidão. Sabemos que ainda hoje há discriminação e dificuldade de acesso a direitos básicos e oportunidades. Tiago, nesse trabalho, nos faz refletir sobre o quão necessário é estarmos atentos e zelosos para que os sapatos, como metáfora da liberdade, não se desfaçam.

Foto: Daniela Parampal.

Para Tiago, a arte é como uma ferramenta crítica e política que possibilita falar de suas próprias realidades e não mais deixar que outros contem sua história. Ele cria narrativas que fogem dos cânones e do eurocentrismo.  

Você conhece algum outro artista que também usou sapatos em suas obras? Pensou em outro objeto com a letra “S”? Conte para nós por meio das mídias sociais, usando as hashtags #borafalardearte, #educativofcs e também @fcs.palaciodasartes no Instagram.

Na próxima publicação, vamos conversar sobre um objeto com a letra “T” e refletir sobre nossa relação com esse objeto, além de conhecer uma artista que trabalha com ele. O nosso convite continua aberto, bora falar de arte? Lembre-se de acompanhar as mídias sociais da Fundação Clóvis Salgado para se manter atualizado sobre a arte contemporânea!

Para curiosos:

Veja um pouco da exposição Baixa do Sapateiro, de Tiago Sant’Ana, onde o trabalho Sapatos de Açúcar foi apresentado. Clique aqui.

Assista à vídeo-performance Ao Rés do Chão, em que Tiago também usa sapatos. Clique aqui.

Leia o conteúdo anterior, Bora falar de arte? R de Rede.

Acesse o Instagram da Fundação Clóvis Salgado.

Foto: Daniela Parampal.

Sobre as autoras:

Clarissa d’Errico é técnica em Comunicação Visual, bacharel e licenciada em Artes Visuais e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.

Daniela Parampal é bacharel e licenciada em Artes Visuais, artista visual, professora e mediadora cultural na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.