2º Prêmio Décio Noviello de Fotografia | Chris Tigra e Matheus Dias

20/01/22 - 12/03/22

CâmeraSete - Casa da Fotografia de Minas Gerais,

A Fundação Clóvis Salgado inaugura duas exposições do 2º Prêmio Décio Noviello de Fotografia, que ocuparão a CâmeraSete – Casa de Fotografia de Minas Gerais do dia 20 de janeiro até 12 de março de 2022. Foram contemplados os artistas visuais Chris Tigra (MG) e Matheus Dias (CE), com as exposições Recostura e Campo de Passagem, respectivamente. Com propostas criativas que reforçam o poder da arte, a nova edição do Prêmio Décio Noviello de Fotografia destaca as lacunas entre passado e presente em que os artistas constroem novas narrativas.

 

Em Recostura, Chris Tigra expõe em grande escala imagens de mulheres negras escravizadas, trazendo à tona uma memória escravocrata, por vezes renegada, e estruturalmente reproduzida até os dias atuais. Nas fotografias, a artista costura manualmente cordas e ataduras, reconstruindo elos e propondo uma nova forma de enxergar essa realidade.

 

Já nas fotocolagens de Matheus Dias, estão retratados sua trajetória pessoal e os enfrentamentos e lutas antirracistas e decoloniais, provocando reflexões sobre corpos dissidentes. Campo de Passagem reúne imagens fotográficas recortadas, coladas, sobrepostas, queimadas, unidas a elementos diversos: por meio da intervenção, uma nova realidade é proposta.

 

Para Eliane Parreiras, presidente da Fundação Clóvis Salgado, a realização do 2º Prêmio Décio Noviello de Fotografia dá continuidade a um programa que valoriza e difunde o trabalho de artistas de todo o Brasil. “Neste ano, consolidamos por meio dessas exposições um dos editais de fomento mais importantes para as Artes Visuais no país. Para nós, é extremamente relevante fomentar a arte fotográfica e estimular a ocupação da Casa de Fotografia de Minas Gerais, espaço essencial dedicado exclusivamente a essa prática”, destaca.

 

Governo de Minas Gerais e a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, por meio da Fundação Clóvis Salgado, apresentam o 2º Prêmio Décio Noviello de Fotografia. A mostra tem a correalização da APPA – Arte e Cultura, patrocínio máster CemigAngloGold Ashanti, ArcellorMittal  e Unimed-BH / Instituto Unimed-BH¹, e patrocínio prata da Vivo. Todos os incentivos são via Lei Federal e Lei Estadual de Incentivo à Cultura.

 

¹ O patrocínio da Unimed-BH / Instituto Unimed-BH é viabilizado pelo incentivo de mais de cinco mil médicos cooperados e colaboradores.

 

A Fundação Clóvis Salgado é integrante do Circuito Liberdade, complexo cultural sob gestão da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult) que reúne diversos espaços com as mais variadas formas de manifestação de arte e de cultura em transversalidade com o turismo. Trabalhando em rede, as atividades dos equipamentos parceiros ao Circuito buscam desenvolvimento humano, cultural, turístico, social e econômico, com foco na economia criativa como mecanismo de geração de emprego e renda, além da democratização e ampliação do acesso da população às atividades propostas.

 

 

Sobre as exposições:

 

Foto: Chris Tigra

Recostura, de Chris Tigra

“Tento sempre me lembrar que um país – e um povo – sem memória, se esvazia”, ressalta a artista visual mineira Chris Tigra, ao descrever, da ideia à concepção, a mostra Recostura. A pesquisadora, que assumiu recentemente sua investigação em Artes Visuais, parte da apropriação de fotografias de mulheres negras escravizadas, também chamadas de “mucamas” ou “escravas domésticas”, encontradas em consultas nos acervos do Arquivo Nacional e da Biblioteca Nacional. Segundo Tigra, as imagens foram realizadas por fotógrafos do Período Colonial, e abordam a mulher negra sob o ponto de vista antropológico, sem nome e sem história.

 

Chris Tigra

 

Durante a pesquisa, Tigra também se deparou com documentos digitalizados que são frequentemente ocultados durante o ensino da história brasileira, como contratos de compra e venda de escravos e a representação de diferentes objetos usados para torturar negros. Em 2020, ao se deparar com um então decreto que proibia escravas rendeiras de usarem as rendas que elas mesmo teciam, a artista foi acometida por um desejo enorme de trabalhar com o ‘feitio de coser’. Em Recostura as imagens das mulheres escravizadas se encontram com esse desejo.

 

A partir dessas fotografias, impressas em grande escala, a artista realiza intervenções com cordas e ataduras, em forma de costura à mão, propondo ativar outras formas de imaginar a história escravocrata. “A costura expande da linha clássica: dou vazão ao desejo de bordar com ataduras – objeto para tratar feridas, e cordas, conjuntos de fios que ganham corpo quando unidos”, descreve a artista, enfatizando que a mostra Recostura só acontece porque algo foi descosturado. “Toda proposta da exposição tem a ver com isso, numa tentativa de refletir sobre história e memória, o cruzamento entre passado, presente e futuro, que tenta recriar elos, achar laços: é isso que a linha faz, unir de um ponto ao outro e poder seguir adiante”.

 

Tigra pensa a exposição em um sentido amplo, que ultrapassa a visão do trabalho como uma mostra fotográfica. “Prefiro pensar como uma mostra de arte, não apenas por usar outras linguagens, mas porque o trabalho em si tem a ver com o que reverbera dele, o que se percebe, para além do que se vê”, destaca. Além disso, descreve seu percurso artístico como um constante movimento, e repensa o conceito de vencer/conquistar dentro do campo da arte, propondo a visão de um trabalho artístico como uma consequência sucessória de esforços de diversos atuantes. “O que acontece com Recostura no Prêmio Décio Noviello de Fotografia é justamente a consequência de algo que já vem vindo. Existe todo um trabalho anterior que venho fazendo, e que não tem a ver só comigo, porque o ponto de partida são arquivos de memórias de pessoas que foram escravizadas no Brasil. E tudo que vivemos hoje passa por isso e vem disso”, destaca a artista.

 

Matheus Dias

Campo de Passagem, de Matheus Dias

Unindo imagens por meio da colagem e assemblage, Matheus Dias consolida o encontro de suas memórias à trajetória histórica dos corpos dissidentes, que buscam se encontrar enquanto humanos, na fuga dos estereótipos. Campo de Passagem, primeira exposição individual do cearense, é resultado de um processo intenso de vasculhos pelas vivências do artista – ao final de 2019, após um período depressivo, Dias notou um intenso apagamento de sua identidade, acarretado por uma série de traumas, como bulliyng e assédios, além de preconceitos sociais atrelados ao corpo negro e à desvalorização da arte no Brasil. Até novembro de 2020, Dias consolidou um trabalho de pesquisa que entrelaçou a escuta oral de seus familiares, à rememoração de seus primeiros contatos com a arte – através da arte-terapia, ainda quando criança – e à construção de realidades possíveis e mais confortáveis, através da prática fotográfica.

 

Segundo Dias, é por meio da intervenção que a exposição Campo de Passagem se constrói. “Eu intervenho em fotografias como um meio de intervir na minha história. Provoco mudanças em mim e as transmito para a imagem. Há também várias colagens e ilustrações sobre fotografias de arquivo familiar. Nessas o que busco é remontar minha autoimagem e ressignificar momentos importantes da vida”, ressalta.

 

A mostra, segundo o artista, será uma oportunidade para observar como outros corpos com outras culturas e vivências, fora de sua cidade de origem, reagem ao que ele produz. “Opondo-me ao apagamento, reescrevo a história burlando a fotografia tradicional, transformando-a em suporte de recepção de diversas ações performativas de intervenção. Isso fornece singularidade criativa ao trabalho no campo da arte contemporânea, bem como traz ressignificação do que foi um dia vivido e que está para sempre marcado na imagem”.

 

Matheus Dias

 

Ao longo de sua trajetória, Dias realizou exposições coletivas, compôs painéis e salões artísticos, e lançou um livro de fotocolagens. Até o momento, o artista considera o Prêmio Décio Noviello de Fotografia a consequência mais importante de sua carreira. “A oportunidade de montar minha primeira exposição individual é um marco, principalmente na minha autoestima e confiança no meu trabalho. Além da visibilidade que o prêmio pode me proporcionar. Esse projeto é, na verdade, um livro-diário-casa. É uma exposição de sutilezas, fragilidades e fortificações. Ser forte não significa não ser frágil. O Campo de Passagem mostra uma figura feminina-masculina que é frágil e essa fragilidade a torna forte, presente e firme. Estou deixando nesse espaço um rastro, uma memória de quem um dia fui e recriando histórias em um tempo não linear”.

 

Prêmio Décio Noviello de Fotografia – Ainda em 2015, a FCS requalificou a CâmeraSete, transformando o local em um espaço dedicado exclusivamente à linguagem fotográfica. A partir daquele ano, o espaço recebeu a alcunha de CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais. Assim, era criado um edital exclusivo para contemplar essa expressão artística. A adequação também veio atender a uma necessidade da própria classe artística, com o estabelecimento de um espaço referencial para ações de debates e reflexões sobre esta linguagem cada vez mais difundida.

Em 2020, o Edital de Ocupação FCS de Fotografia passa a se chamar Prêmio Décio Noviello de Fotografia, em homenagem ao artista mineiro. O Edital segue para sua 6ª edição consecutiva, e a iniciativa já recebeu centenas de inscrições com propostas vindas de todo o país. Desde sua primeira edição, o Edital de Fotografia da FCS já contemplou trabalhos dos artistas Dalila Coelho, Maurício Pokemon, Victor Galvão, Élcio Miazaki, Daniel Oliveira, Letícia Lampert, Luiza Baldan, Nelton Pellenz, Tiago Aguiar e do Coletivo Família de Rua.

 

Décio Paiva Noviello – Nascido em São Gonçalo do Sapucaí, Minas Gerais, Noviello atuou como pintor, gravador, desenhista, cenógrafo, figurinista carnavalesco e professor. Em paralelo às suas atividades artísticas, lecionou desenho, geometria, matemática e topografia em colégios militares; exerceu o cargo de diretor artístico da revista da Academia Militar das Agulhas Negras; e trabalhou como ilustrador da Biblioteca do Exército. Durante 20 anos atuou como professor de história da indumentária no curso de estilismo na UFMG. Cidadão honorário, personalidade do carnaval e da cena teatral de Belo Horizonte. É representante da pop arte e da vanguarda brasileira; com participações e prêmios em vários salões, bienais e exposições no Brasil e no exterior.

Sua exposição Cor Opção ocupou a galeria Genesco Murta durante a programação do ArteMinas 2018 e foi a última mostra em vida do artista belo-horizontino. Durante a abertura, Décio reviveu o happening que compunha a mostra Do Corpo à Terra, que integrou a programação de inauguração do Palácio das Artes, em 1970. O artista também contribuiu na realização de cenografias e figurinos para balés, óperas e peças teatrais produzidas pela FCS, além de outras mostras de artes plásticas.

Informações

Local

CâmeraSete - Casa da Fotografia de Minas Gerais,

Horário

Av. Afonso Pena, 737 – Centro

Classificação

Livre

Informações para o público

(31) 3236-7400