Retrospectiva Margarida Cordeiro e António Reis

15/11/19 - 21/11/19

Cine Humberto Mauro | Palácio das Artes | Av. Afonso Pena, 1537. Centro. Belo Horizonte

A retrospectiva integral de uma das cinematografias mais emblemáticas do cinema português e mundial, Margarida Cordeiro e António Reis, será exibida no Cine Humberto Mauro de 15 a 21 de novembro. As obras dos cineastas se caracterizam por uma observação atenta de personagens e das paisagens onde habitam, transcritos para uma linguagem cinematográfica de um rigor absoluto que convidam o espectador a se deixar levar pela potência de suas imagens em detrimento de uma fixação narrativa clara. A mostra é realizada em colaboração com a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, responsável pelo restauro e difusão mundial das obras exibidas no evento, além do Consulado Geral de Portugal em São Paulo e o Instituto Moreira Salles. A programação gratuita abrange a cinematografia integral da dupla, incluindo filmes que tiveram raríssimas exibições no Brasil, vários deles ainda inéditos em Minas Gerais.

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Em Belo Horizonte, a mostra ganha um contorno curatorial específico com a inclusão de sessões especiais em diálogo com a obra de Margarida Cordeiro e António Reis. Serão exibidos filmes de Paulo Rocha, Pedro Costa e João Pedro Rodrigues, além de obras de cineastas admirados pela dupla e que, frequentemente, eram abordados em suas aulas sobre cinema. A programação conta, também, com palestras da pesquisadora Glaura Cardoso Vale, que vai debater essa cinematografia a partir da trilogia dos longas-metragens: Trás-os-montes (1976), Ana (1982) e Rosa de Areia (1989).

 

O conjunto da obra do casal abarca o fim do regime salazarista e o processo de reabertura democrática de Portugal, entre o final dos anos 1960 e os anos 1980. “Esses filmes possuem um caráter de raridade, representando a força de um cinema que resistiu a todo complexo opressor, a um contexto político embrutecido. Há toda uma geração de pesquisadores e cineastas que foram privados do acesso a uma das obras esteticamente mais revolucionárias da história do cinema mundial”, observa Bruno Hilario, gerente do Cine. Para ele, Margarida e António abriram possibilidades que se consolidaram em produções posteriores no país. “A mostra evidencia todo o rigor ético e estético que envolve a poética da dupla, fundamental na formação de cineastas contemporâneos”, avalia. Os realizadores foram, também, professores de diversos diretores de destaque na recente produção portuguesa.

 

Dificilmente os filmes de Margarida e António poderiam ser encaixados em qualquer gênero cinematográfico, tidos por diversos críticos e cineastas como inimitáveis fabuladores sobre o tempo e o espaço portugueses. A trajetória de Reis se inicia com um ensaio visual da cidade do Porto, a partir de uma encomenda da Câmara Municipal. Reunindo sequências filmadas entre a Ribeira e a Baixa, comentadas pela leitura de poemas de diversos autores, incluindo próprio António Reis, Painéis do Porto (1963) foi produzido em conjunto de César Guerra Leal e seguido por Do Céu Ao Rio (1964), curta-metragem que traz vários aspectos da construção da rede de barragens da bacia hidrográfica do Cávado, com comentário lido por Fernando Pessoa. Exibidos apenas no momento de sua realização, os filmes foram restaurados pela Cinemateca Portuguesa juntamente com toda a retrospectiva da dupla.

 

Jaime (1974), trabalho que aproxima Margarida de António e também do fazer cinematográfico, trata da vida e trabalho do pintor Jaime Fernandes, cuja obra pictórica foi considerada genial pela crítica europeia. Acometido por uma doença mental aos 38 anos de idade, foi internado no Hospital Miguel Bombarda, onde Margarida trabalhou como psiquiatra e se deparou com um de seus murais. Depois de se debruçarem sobre a obra do pintor, a dupla teceu uma homenagem estética à essa complexa figura, que o aproximasse dos muitos Jaimes que se encontravam em sua condição.

 

O próprio António Reis descreve a produção da obra como uma maneira de salvaguardar os desenhos deixados pelo artista e despertasse no público, em película, o interesse que o próprio sentiu pela vida de Jaime. Filmado no início da Revolução dos Cravos, o curta-metragem foi exibido junto com O Encouraçado Potemkin (1925), proibido em Portugal durante 48 anos. No Cine Humberto Mauro, é a primeira exibição gratuita de um forte registro da carta e da palavra: “Os gestos formais do filme acompanham e circundam a persona esquizofrênica de Jaime, dessincronizando o som da imagem com rigorosa técnica num dos fragmentos mais importantes do Cinema Novo português”, observa Bruno Hilario.

 

A Trilogia de Trás-os-Montes – Pertencente à um período crucial da história portuguesa, o fim do regime salazarista e a abertura política do país, o conjunto dos filmes Trás-os-montes (1976), Ana (1982) e Rosa de Areia (1986), partem do gesto fundamental dos cineastas de se afastar da cidade e rodar no Nordeste, região mais pobre e esquecida de Portugal e também onde nasceu a própria Margarida Cordeiro. “Num momento de grande convulsão política nos grandes centros urbanos de Portugal, o gesto de Margarida Cordeiro e António Reis de deslocar para o interior o palco dos acontecimentos, numa das regiões mais pobres daquele país, cujas cultura e tradição milenar estavam em vias do desaparecimento, representam as verdadeiras armas de uma revolução popular”, explica Bruno.

 

Com o tema central do afastamento, tanto no sentido do exílio quanto o próprio ato de afastar-se, Trás-os-Montes foi filmado a partir de viagens de carro por milhares de quilômetros, resultando na expressão cinematográfica de uma região habitada principalmente por idosos e crianças, cujo passado místico está em erosão. “O longa é um estudo rigoroso de como o cinema pode se nutrir e fabular sobre a mitologia de uma região”, observa o gerente. “É como se lá Margarida e António vivessem uma sensorialidade particular do lugar, que é, também, o personagem da obra. Trata-se de um filme sobre como o espaço se impõe à vontade humana”. A própria Margarida contou, em entrevista, que a dupla buscou traduzir em linguagem fílmica seu encantamento pela gente, animais, paisagens e modo de vida de Trás-os-montes, de maneira que a espessura histórica da região está presente no filme ainda que os camponeses tenham migrado para a América e a Europa.

 

Sem uma narrativa tradicional, Ana é um filme que acompanha uma família cujos membros são quase vestígios de uma outra era, e seu contato com o mundo exterior são raros, até a chegada da equipe de etnólogos. “Neste filme o espaço aparece na figura dos personagens e suas histórias pela potência de sua expressão. Não há, na história do cinema mundial, um filme paralelo a esse, acreditamos que ele inaugura uma poética específica que alargou a percepção dos modos de se realizar um documentário, por exemplo”, ressalta Bruno. Ainda segundo o gerente, o rigor estético da obra nasce do encontro entre a dupla e a região, resultando numa profundidade de imagens e fotografias pictóricas, que passam longe do exotismo. “Ana retrata um universo de precariedade com suas contradições, colocando em evidência, também, nossas próprias contradições políticas”, observa.

 

Último filme da carreira de Margarida e António, Rosa de Areia denota um maior domínio dos meios por parte da dupla, que já pesquisava a região por mais de dez anos. O rigor estético do longa atinge o uso sistemático do plano-sequência, transformando-o numa experiência dos sentidos. Segundo o próprio António Reis, trata-se de um filme sobre a condição humana dolorosa da vida, com matérias em pleno devir. “O vento natural torna-se vento de tuba, o vestido das atrizes contracena com as nuvens, a tridimensionalidade cai aos pés da bi-dimensionalidade, o plano-sequência é emparedado pelo fixo, a música é o silêncio e a cor modulada, a luz mais pura passa a flutuante e difusa”, contou o cineasta.

 

Sessões-diálogo – Para aprofundar a discussão a respeito da obra de Margarida Cordeiro e António Reis, o Cine Humberto Mauro inclui na programação filmes contemporâneos de diretores que foram alunos da dupla ou cuja obra se relaciona com a temática ou fazer cinematográfico dos portugueses. Exibido pela primeira vez em Belo Horizonte, Vitalina Varela (2019), de Pedro Costa, um dos maiores nomes do cinema português atual, acompanha uma mulher que, após a morte do marido, não lamenta ao enfrentar homens amargurados e resolve reconstruir a memória de um sobrado em Cabo Verde, lutando contra a triste realidade de uma vida que não foi construída em Portugal. Já na trama de O Sangue (1989), também de Pedro Costa, um adolescente e seu irmão são abandonados por seu pai e ficam aterrorizados com a ideia de serem separados.

 

Filmado na região de Trás-os-montes e com colaboração de Margarida Cordeiro na escolha das locações, O Ornintólogo (2016), dirigido por João Pedro Rodrigues, acompanha Fernando, um solitário ornintólogo de 40 anos que, depois de decidir viajar pelo curso de um rio a bordo de um caiaque, é derrubado por uma correnteza forte e inicia uma jornada sem volta e repleta de perigos.

 

Mudar de Vida (1966), segundo longa-metragem de Paulo Rocha, teve a colaboração de António Reis na elaboração dos diálogos, retratando a paisagem humana e natural da comunidade de pescadores de Furadouro, ao sul de Porto. O filme conta com uma câmera predominantemente móvel, sobreposta à economia poética das vozes e trilha sonora composta por Carlos Paredes.

 

Formação – O Cine Humberto Mauro convidou a pesquisadora Glaura Cardoso Vale para um ciclo de palestras que vai abordar a cinematografia de Margarida Cordeiro e António Reis. As palestras serão após as exibições dos filmes Trás-os-montes (16/11, às 18h), Ana (18/11, às 18h) e Rosa de Areia (20/11, às 20h). Não é necessário fazer inscrição prévia e os ingressos serão distribuídos uma hora antes de cada sessão.

 

Glaura Cardoso Vale – Integrante da Associação Filmes de Quintal onde tem auxiliado na realização de projetos, dentre esses, o forumdoc.bh, do qual é colaboradora desde 2003. Realizou pós-doutoramento junto ao PPGCOM-UFMG como bolsista PNPD-CAPES (2013-2016), doutorado em Letras pela FALE-UFMG (2009-2013), e, recentemente, foi aprovada no doutorado em Comunicação Social da UFMG. Atua como pesquisadora nas áreas de cinema, audiovisual, artes e letras. Como professora de narrativas audiovisuais, ministrou aulas na graduação e em oficinas de documentário. Publicou, em 2016, A mise-en-film da fotografia no documentário brasileiro e um ensaio avulso pela Relicário Edições e Filmes de Quintal Editora. Atualmente tem se dedicado à realização audiovisual e à produção editorial dos catálogos do FestCurtasBH (2017 a 2019) e forumdoc.bh (2011 a 2019).

Este evento tem correalização da APPA – Arte e Cultura.

 

Informações

Local

Cine Humberto Mauro | Palácio das Artes | Av. Afonso Pena, 1537. Centro. Belo Horizonte

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