A ponte criativa entre a Europa e o Brasil de Tarsila

As vanguardas europeias formam um conjunto de movimentos artístico-culturais ocorridos a partir do início do século XX. Tais movimentos incentivaram um pensamento modernista que almejava romper com a estética clássica, com as ideologias e os comportamentos considerados elitistas e burgueses que vigoraram até o século XIX. A palavra vanguarda, do francês “avant-garde”, significa a “guarda avançada”, sugerindo um pioneirismo na cultura a partir de então. No Brasil, elas influenciaram diretamente o movimento modernista, que teve início com a Semana de Arte Moderna de 1922.

Movimentos como o cubismo francês ou o futurismo italiano foram referência na criação de obras de artistas nacionais do período, que desejavam trazer para o país uma narrativa brasileira com uma estética modernista europeia, em um antropofagismo da nossa cultura sobre a cultura do exterior.

Tarsila do Amaral, um dos nomes mais influentes do modernismo brasileiro, foi uma das artistas em que essa “antropofagia” ficou mais clara. Suas pinturas com formas geométricas evidentes remetem ao cubismo, que reunia elementos de maneira desfragmentada em espaços bidimensionais, ou ao futurismo, que se utilizava das formas geométricas em desconstrução formal para remeter à ideia de movimento. Tarsila teve um contato direto com a pintura de Fernand Léger, destaque do movimento futurista, em um período em que esteve em Paris e dele tirou a lição de pintar com certa impessoalidade, expressa nas figurações e nos contornos bem marcados. Enquanto Léger buscava uma representação da modernidade nas metrópoles, Tarsila trazia essa visão para um aspecto mais brasileiro ao unir a linguagem artística moderna à brasilidade das cores, das paisagens, dando um toque “caipirinha” a elas.


“Abaporu”, Tarsila do Amaral, 1928. Fonte: Wikipédia

Podemos notar, também, uma referência surrealista em seu famoso quadro “Abaporu”, obra de 1928 que se tornou um ícone da cultura modernista no país. A figura alongada, com pés gigantes arraigados à terra e uma minúscula cabeça sob o sol escaldante, nasceu de um sonho, segundo a artista. A pintura tem características desse movimento que se norteava pela teoria dos sonhos de Sigmund Freud e que gerou obras oníricas, figuras fantásticas e cenários inóspitos. Foi essa pintura que inspirou o movimento antropofágico, corrente vanguardista brasileira liderada pela artista e pelo escritor Oswald de Andrade e que intencionava estruturar uma cultura de caráter nacional.

Tarsila viajou pela Europa e por cidades brasileiras e conseguiu reunir esses dois mundos outrora unidos pela colonização em um aspecto mais generoso de absorção de influências e de ressignificação. Suas pinturas equalizaram as características da nossa terra com as novidades vanguardistas e todos os caminhos que foram abertos para uma arte que, a partir dali, seria marcada pelo constante diálogo entre culturas.

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.

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