A dor dos inocentes: a potente obra de Gottfried Helnwein

Gottfried Helnwein é um artista que não passa despercebido. Sua obra profunda, tanto tecnicamente quanto em sua narrativa, é daquelas que aguçam a curiosidade e balançam o íntimo e o imaginário. Austríaco, nascido no final dos anos 1940, pós-Segunda Guerra Mundial, faz pinturas que trazem toda a carga dos vestígios deixados por esse período tão assombroso da história.

As imagens de Gottfried permeiam a violência em uma harmoniosa mistura de delicadeza, refinamento estético e certo desconforto. Nelas podemos ver, mediadas pela arte, cenas que ilustram a crueldade humana e os abusos cometidos por representantes das escalas de poder.

Uma das características das obras hiper-realistas do artista é a figuração de crianças em situações e expressões que causam incômodo. Os seus anjinhos costumam aparecer com os olhos inanimados, às vezes vidrados, às vezes cerrados; os corpinhos enrolados em bandagens, feridos, com sangramento evidente em tons vibrantes de vermelho escarlate sobre peles frias e esbranquiçadas. As peles pálidas podem sugerir estátuas em uma relação direta com a inércia da morte.

Murmúrio dos inocentes 18, Gottfried Helnwein,1998. Fonte: helnwein.com

Gottfried transita muito bem por linguagens artísticas diversas, como a performance, a publicidade, a fotografia e a pintura. Podemos notar em suas obras um diálogo com a cultura de massa. Por exemplo, em uma série fotográfica, o polêmico cantor de rock Marilyn Manson posou para o artista com um adereço de cabeça fazendo, assim, alusão ao simpático Mickey Mouse, ícone das produções de Walt Disney.

Artista multimídia, Gottfried se insere perfeitamente em uma das marcas da arte contemporânea, que é a mistura de suportes, de materialidades, dos signos e das influências para a construção de um objeto artístico.

The Golden age 2, Gottfried Helnwein, 2003. Fonte: helnwein.com

Hoje em dia, cada vez mais velozes, as ideias e imagens se reproduzem por meio das tecnologias de manipulação, criando inúmeras apropriações, releituras e citações de obras. Um artista como Gottfried que, impecavelmente, vai contra a corrente, manipulando suas imagens por meio da pintura e não de processos digitais, é, sem dúvida, de uma perspectiva voraz em oposição à arte conceitual. Trazendo técnicas pictóricas tradicionais para falar de coisas que vão além das temáticas das tradicionais pinturas da história da arte, contextualizando-as em seu tempo, sua produção reafirma a importância da pintura no cenário cultural pós-moderno.

Suas belíssimas pinturas em grande escala buscam uma reinvenção da fotografia e do mundo real em temáticas que a arte contemporânea contempla com regozijo, como a melancolia e a solidão geradas pelo mundo feroz capitalista; a violência insana causada pelas guerras ideológicas, religiosas e territorialistas e a fragilidade humana diante de adversidades que coagem, torturam, segregam e sangram.

Saiba mais sobre Helnwein no site do artista.

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.