A inevitabilidade da morte

O artista britânico e milionário Damien Hirst certamente causa inquietação com suas obras que permeiam a temática da morte. Sua obra “A impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo”, de 1991, cria muitas possibilidades de interpretações, a começar pelo título intrigante. Artistas contemporâneos são mais abertos a interpretações do que os renascentistas, por exemplo. Muitos de seus trabalhos são “completados” pelo espectador com o direcionamento de títulos que encaminham para reflexões filosóficas .

Damien Hirst colocou um tubarão-tigre de quatro metros imerso em formol dentro de uma caixa de vidro. Enquadrado em um aquário transparente que gera sensação de simultaneidade, proximidade e distanciamento, o animal, que parece estar em movimento em determinados ângulos, é assustador, apesar de seu estado inerte.

A impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo, Damien Hirst, 1991. Fonte: site do artista.

A história da arte sempre entrou em contato com a mortalidade, buscou ultrapassar o corpo físico depois do fim em diversas pinturas e aperfeiçoou técnicas de durabilidade para ir além do tempo. Os egípcios tentaram manipular a decomposição decorrente da morte mumificando seus faraós. Nos séculos XVI e XVII, artistas pintavam as vanitas, um tipo de obra de arte simbólica especialmente associada com o gênero de pintura Still-life do norte da Europa e dos Países Baixos, que fazia referência à transitoriedade da vida usando símbolos como caveiras, ampulhetas, relógios e velas, associados à finitude da vida e à passagem implacável do tempo. Damien Hirst fez sua vanita ao cravejar de diamantes uma caveira, intitulada de “Em nome de Deus”. Essa peça lhe rendeu 100 milhões de dólares, o maior valor já pago a um artista vivo.

O tubarão de Hirst, que simula a vida, nos coloca frente a frente com a morte, nos aterroriza e nos inquieta. Faz com que não consigamos alcançar a inconsciência daquilo que morreu. Artistas dos séculos XX e XXI parecem compartilhar da efemeridade da vida com obras igualmente passageiras: com a bocarra aberta e intimidadora, o tubarão de Hirst deteriorou, foi vencido pelo tempo e vencido pela morte da morte, ainda que conservado em formol, sendo necessária a realização de uma cópia. Ainda assim, a obra foi avaliada em 12 milhões de dólares em 2005, dialogando com uma cultura de descartabilidade.

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.