A invisibilidade cultural

Em meados de junho de 2021, um fato que mais parecia um meme de internet ganhou as páginas de notícias. Aliás, muitos memes baseados nele realmente surgiram. O artista italiano Salvatore Garau vendeu uma escultura intangível por quinze mil euros. Sim, uma escultura invisível. Diante de um fato como esse, podemos refletir sobre a nossa cultura artística ocidental cada vez mais desmaterializada.

No século XX, o impressionismo, movimento artístico que pode ser considerado a primeira escola da arte moderna, abriu caminho para essa desmaterialização. Iniciaram um pensamento, derivado do realismo, de que deveriam pintar o cotidiano, pintar o que viam considerando o momento exato da incidência de luz solar sobre os objetos. Partindo dessa premissa, a arte contemporânea desdobrou-se em movimentos que cultivavam a instantaneidade. Devotos das ideias e dos processos, e não dos objetos de arte, os movimentos gerados pelo efeito duchampiano e dadaísta – em que o gesto era o que mais valia nas obras – tanto negaram as características que por séculos orientaram a arte, que hoje em dia vemos artistas vendendo obras literalmente invisíveis.

“A justiça”, Alfredo Ceschiatti, 1961. Foto: Morio. Fonte: Wikipédia.

Em um contexto de vanguardas e de avanços tecnológicos e científicos a todo vapor, era compreensível a necessidade de se romper padrões e barreiras que as técnicas consideradas oficiais pelas Academias de Belas Artes impunham aos processos criativos dos artistas. Ainda assim, havia uma necessidade estética nesses rompimentos, uma reorganização plástica moderna que se estabelecia dentro das convenções, subvertendo-as de alguma forma, sem as descaracterizarem por completo.

No entanto, depois que Marcel Duchamp enviou um urinol a um Salão como sendo uma obra de arte, abriu-se um amplo leque dentro do qual “tudo cabe” como sendo arte, bem como se questiona o que é arte ou não.

Nossa sociedade moderna não criou símbolos próprios e, em alguns casos, infelizmente, os desrespeita e/ou os destrói. Quando precisamos nos orientar através de símbolos, recorremos ao mundo antigo. Por exemplo, para representarmos o amor e a beleza utilizamos a imagem de Afrodite ou para representarmos a justiça utilizamos a imagem da deusa grega Thêmis. Os símbolos são importantes, pois servem para exprimir os conceitos metafísicos. Adaptá-los com aparências mais contemporâneas resultaria em um acesso mais fácil de identificação.

Valorizar uma arte que permaneça, que triunfe sobre o tempo, é valorizar o patrimônio cultural de um povo. Ao se dar ênfase a uma arte de momento, sem resistência material e conceitual, abre-se uma espécie de lacuna na História, eliminando seus vestígios.

O ser humano sempre esteve diante da angústia da morte e buscando vencê-la através da ciência, da espiritualidade, do misticismo e da arte. A cultura da efemeridade nos remete ao instantâneo, indo na contramão da importância de um patrimônio cultural para a humanidade, de um registro que atravessa o tempo.

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora da Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.