Abra os olhos e aumente o som!

As linguagens artísticas têm um diálogo criativo que nos presenteia com agradáveis parcerias. As artes plásticas permeiam as demais artes com referências e inspirações no cinema, na fotografia, no teatro, na dança e na música. Os videoclipes costumam harmonizar bem com as artes visuais. Eles eram uma ferramenta poderosa de divulgação para canções e davam rostos aos seus intérpretes nos anos de 1990 com o surgimento do canal MTV, num período em que o Youtube não existia e que muita gente não sabia que cara tinham as donas e donos das vozes que cantavam nas rádios.

Em 1991, a banda de rock norte-americana R.E.M. lançou seu maior sucesso, Losing my religion, e seu videoclipe é um espetáculo visual (e sonoro, porque, convenhamos, a música é uma delícia!). Baseado nas pinturas do mestre do barroco italiano, Caravaggio, conhecido por seus contrastes de claro-escuro e pela força das cenas criadas com luminosidade no seu maior potencial dramático, suas obras são, no clipe, relidas com atores que encenam as pinturas, dando movimento a elas em um bailado de gestuais contidos, enquanto a melodia de Losing my religion evolui. Podemos ver no videoclipe citações de obras como “Tocador de alaúde” (1594), “Adoração dos pastores” (1609), “Ecce Homo” (1605), “O sepultamento de Cristo” (1603), entre outras.

A banda britânica Coldplay escolheu a obra “Liberdade guiando o povo” (1830), de Eugene Delacroix, para ilustrar seu hit Viva la vida de 2008. A obra, às vezes, é confundida como sendo uma referência à Revolução Francesa de 1789, mas refere-se à Revolução de Julho de 1830, com a queda de Carlos X. No vídeo, a banda toca em frente à pintura que funciona como um cenário esfumaçado, turvo, numa paleta de cores terrosa. A pintura também ilustra a capa do CD Viva la Vida or Death and All His Friends, que é o quarto álbum de estúdio da banda e funciona muito bem com a atmosfera épica que o ritmo da música provoca.

 

Capa do Cd Viva la vida, Coldplay, 2008.

 

Aqui no Brasil, Adriana Calcanhotto gravou o belíssimo videoclipe da música Pelos ares, na instalação de Hélio Oiticica, “Penetrável, Magic Square #5, De Luxe”, que faz parte do acervo do Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais. Adriana cria uma sintonia com o que seria um cantinho de memórias de uma vida a dois com coisas comuns de um lar e um dançarino, representando seu objeto de amor em meio ao labirinto de cores na casa sem teto de Oiticica, em ações coreografadas, delicadas e sofisticadas.

 

Penetrável, Magic Square #5, De Luxe. Helio Oiticica. Inhotim.

 

A arte, a cultura e os processos criativos se renovam com o diálogo entre as linguagens artísticas.  O tempo todo, para vencer o tempo, artistas recriam o que foi criado dando uma nova perspectiva, uma nova roupagem, um novo olhar, e aí está a graça: essa renovação constante do que já foi feito e que alcança as pessoas de formas diversas.

 

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.