Arte e beleza na periferia de Belo Horizonte

Dalila Coelho é uma jovem fotógrafa, jornalista e podcaster, que em dois recentes trabalhos registrou rituais de beleza de mulheres e homens que residem na periferia de Belo Horizonte. Dalila participou do Festival Internacional de Fotografia de Belo Horizonte (FIF), com a série “Rituais estéticos da periferia”, e do Prêmio Décio Noviello de Fotografia (Fundação Clóvis Salgado), com a exposição “É verão o ano inteiro”, que ocupou a CâmeraSete de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021. Suas fotografias são um convite para a apreciação desses rituais estéticos em corpos fora dos padrões de beleza comumente ditados pela publicidade. Estão representados mulheres e homens não brancos, acima do peso, em cenários não preparados pela fotógrafa, como salões de bronzeamentos em quintais e terraços.

A riqueza das fotos não é dar visibilidade a essas pessoas, mas mostrar o quão vaidosas, obstinadas e realizadas elas se mostram durante os bronzeamentos e os cortes de cabelo, refletindo a busca pelo bem-estar. No caso das sessões de bronzeamento, temos uma percepção nítida de autoconfiança, de orgulho dos corpos, em que se foge de rótulos e normas socialmente impostas. O sobrepeso, as celulites e as tatuagens são expressões de amor-próprio e de autoaceitação. Destaca-se que as fotos não foram feitas no verão, mas no inverno de 2019, aproveitando os dias de céu aberto devido à pouca umidade.

Figura 1: Foto do projeto “É verão o ano inteiro”, Dalila Coelho, 2019. Fonte: www.mjournal.online

Lendo os relatos das proprietárias dos salões de bronzeamento, percebe-se que a prática é um nicho concorrido do mercado da beleza. Além disso, há uma dupla satisfação, entre cliente e proprietária, em busca da autoestima.

Figura 2: Foto da série “Rituais estéticos da periferia”, Dalila Coelho, 2020. Fonte: site do FIF BH 2020.

Se, no caso das mulheres, a marquinha resultante de horas de exposição ao sol após uma devida preparação da pele é o objetivo a ser alcançado, somando-se a um espectro de embelezamento mais amplo, que envolve unhas, cabelos, maquiagem e acessórios, no caso dos homens, a barba feita e o cabelo cortado são o ideal a se alcançar. É interessante perceber como as fotografias de Dalila revelam uma busca por simetria e linearidade em ambos os sexos no que se refere aos ideais de beleza da periferia. Há uma busca do corte de cabelo “na régua” ou da marquinha de biquíni feita de fita isolante também na régua.

Figura 3: Foto do projeto “É verão o ano inteiro”, Dalila Coelho, 2019. Fonte: www.mjournal.online

Lançando um olhar mais técnico sobre as fotos de Dalila, nota-se um ar de registro momentâneo típico de sua formação, nos remetendo ao fotojornalismo. Assim, as imagens de Dalila carregam consigo, ao mesmo tempo, informações sobre as atividades e questões mais subjetivas, como sentimentos revelados pelos gestos e expressões dos corpos.

A posição de bronzeamento nas figuras 1 e 3 (“É verão o ano inteiro”), em que os corpos aparecem deitados de barriga para cima, descreve parte do procedimento. Os registros são feitos em um local de trabalho, as toalhas e macas das esteticistas aparecem na composição, bem como as próprias esteticistas em outras fotos, durante o ofício de passar os produtos nos corpos das clientes e de preparar os biquínis. Os planos fotográficos variam, resultando em imagens que ora focam apenas nos corpos, ora mostram também o espaço. Nas imagens, não há sombras pronunciadas, a luz incide sobre os corpos diretamente.

Por fim, outro ponto relevante de “É verão o ano inteiro” é a pesquisa apurada com um viés artístico e antropológico. A fotógrafa buscou conhecer vários espaços de bronzeamento, em diferentes regiões da cidade de Belo Horizonte, e se interessou pelas experiências dessas pessoas, transmitindo-as em suas fotos. A palavra “cuidado” chama atenção nas fotos e na pesquisa artística, pois se vê relações de delicadeza estabelecidas entre Dalila, as pessoas fotografadas e as proprietárias dos espaços.

Para saber mais sobre o projeto “É verão o ano inteiro”, clique aqui.

Para saber mais sobre a série “Rituais estéticos da periferia”, clique aqui.

Referências:

Imagens

Figura 1: Foto do projeto “É verão o ano inteiro”, Dalila Coelho, 2019. Disponível em: ˂https://mjournal.online/E-verao-o-ano-inteiro-por-Dalila-Coelho>. Acesso em: 18/03/2021.

Figura 2 e Ilustrativa: Foto da série “Rituais estéticos da periferia”, Dalila Coelho, 2020. Disponível em: ˂ https://www.2020.fif.art.br/portfolio/dalila-coelho/>. Acesso em: 18/03/2021.

Figura 3: Foto do projeto “É verão o ano inteiro”, Dalila Coelho, 2019.  Disponível em: ˂https://mjournal.online/E-verao-o-ano-inteiro-por-Dalila-Coelho>. Acesso em: 18/03/2021.

Vídeo

Prêmio Décio Noviello de Fotografia 2020, Dalila Coelho e Uri Nonnato – É Verão o Ano Inteiro. Direção: Yasmin Guimarães. Belo Horizonte, Fundação Clóvis Salgado, 2020, (17 min.), som e cor. Disponível em: ˂https://www.youtube.com/watch?v=gP7qcnjCI-I˃. Acesso em: 18/03/2021.

Sobre o autor:

Alexandre Ventura é professor de História da Arte no Cefart – FCS, graduado em História pela UFMG e mestre em História Social pela PUC-SP.