Cindy Sherman: as personas de uma artista

A artista norte-americana Cindy Sherman representa muito bem a arte pós-moderna. O pós-modernismo foi uma reação ao modernismo e aconteceu a partir dos anos 1960, com o advento da arte conceitual. Desde então, os artistas pós-modernos fazem apropriações de pequenos relatos, modificando a mensagem do objeto ou da imagem originária. Nesse contexto, vale tudo: apropriações, citações, releituras e ressignificações de trabalhos de outros artistas.

Os retratos fotográficos conceituais de Cindy Sherman dialogam com a estética do cinema, da moda, das artes, da performance e do cotidiano. Apesar de ela mesma fazer as fotografias, não podemos considerar que as fotos sejam autorretratos (ou selfies), já que Sherman cria personas, sendo assim, não está fotografando a si mesma nessas ocasiões. Nas fotos, a artista anula sua identidade, deixando aberto o espaço da subjetividade e da fruição em primeiro plano. Suas fotos ocultam a realidade ao invés de revelá-la.

Untitled Film Still #21. Cindy Sherman,1978. Fonte: moma.org

Cindy cria narrativas partindo de seu próprio corpo como modelo, fazendo relações visuais, comportamentais e sociais interessantíssimas que nos direcionam para reflexões acerca dos papéis desempenhados (ou rotulados?) pelas mulheres na sociedade contemporânea. Em uma série de sessenta e nove fotografias inspiradas no cinema europeu, por exemplo, a artista criou imagens que sugerem cenas cinematográficas que estereotipam a figura da mulher em uma sequência de identidades forjadas. Suas fotografias confundem o espectador que se pergunta se são cenas de filmes realmente, se são montagens, se são das épocas sugeridas pelas suas visualidades, se são reais ou fictícias.

Em outra série, a artista se inspirou em pinturas-retratos da história da arte desde o período renascentista até obras do século XIX. Para esse trabalho, muniu-se de peças de brechós, utilizou adereços e artigos de lojas de fantasias para modificar a face e o corpo. O resultado final enobrece o ordinário ao fazer simulacros e reinventar as narrativas clássicas.

 Untitled #204. Cindy Sherman,1989. Fonte: wikiart.org

A fotografia, enquanto forma de expressão artística, altera sua própria linguagem, que estava condicionada a registrar a realidade ou, pelo menos, a tentar fazer isso através do seu recorte. Na fotografia autoral de artistas, essa modifica a realidade ao ser mediada pela ficção. Nas fotos de Cindy Sherman, a destituição da realidade é embaralhada ao se assemelhar a linguagens que simulam a realidade de modo a nos apresentar diversas “Cindys” que temos o prazer em conhecer.

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora da Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.