Esta mostra virtual apresenta uma série de trabalhos artísticos desenvolvidos a partir do curso complementar “Dramaturgias do corpo: tecendo narrativas e memórias a partir dos cantos das lavadeiras de Almenara e das mulheres do Vale do Jequitinhonha”, enquanto uma experiência de laboratório-ateliê. A proposta do curso se costurou a partir das pesquisas artístico-culturais desenvolvidas por Maria do Rosário e Jéssica Marroques em suas trajetórias acadêmicas e como integrantes da Residência Artística da Fundação Clóvis Salgado. O curso também contou com a participação de Tereza Novais (lavadeira e integrante do Coral das Lavadeiras de Almenara), na conversa “Batendo roupa: cantando a vida”.
A proposta para realização dos trabalhos desta mostra se baseou em investigações que tiveram como referência a memória de mulheres que marcaram nossas vidas, a partir de pesquisas em acervos de família – que aqui podemos incluir histórias, lembranças, conversas, cantigas, fotografias, objetos, receitas, cheiros, texturas, tecidos, trabalhos/ofícios, dentre outros. Elementos estes que estão presentes em nossas memórias individuais e subjetivas, mas também coletivas. A partir destas pesquisas nos propomos a refletir sobre o fazer artístico como elemento do cotidiano e experiência cultural manifestada pelo e no trabalho/ofício de mulheres. Nesse percurso foram se apresentando como pontos em comum: a costura, o tingimento de tecidos, a lavagem de roupas, a confecção de vestimentas e a linguagem metafórica dos cantos tradicionais ribeirinhos. Realizamos também alguns experimentos e exercícios utilizando o corpo, o som, o canto e o movimento como ferramentas para a construção de narrativas, a produção de sentidos e a articulação de memórias. Essas proposições culminaram em criações poéticas que chamamos de “Cartas de memórias” – cartas a um passado-presente que, através de múltiplas linguagens e formatos se constroem como afetos, segredos, lembranças, intimidades, carinhos e inquietações tecidos pelas histórias que perpassaram os caminhos cosidos pelas mulheres que vieram antes de nós.
Docentes responsáveis:
Jéssica Marroques nasceu em Contagem, mas mora atualmente em Belo Horizonte. Em sua trajetória acadêmica, é licenciada em Artes Visuais (UEMG) e bacharel em Cinema e Audiovisual (UNA). É especialista em Arte e Movimento e Docência no Ensino Superior (UniBF) e mestranda no programa interdisciplinar em Estudos do Lazer pela UFMG. Atua profissionalmente como professora, pesquisadora e produtora cultural.Trabalha há 04 anos com o Coral das lavadeiras de Almenara e suas pesquisas e produções artísticas têm como foco a cultura popular mineira e brasileira, em especial expressões artístico-culturais realizadas por mulheres.
Maria do Rosário é historiadora, musicista e pesquisadora da cultura popular. Doutoranda em História Cultural (UFMG), mestre em Ciência Política (UFMG) e especialista em História da Arte e da Cultura Visual (UCAM), atualmente desenvolve o projeto “Minerando Vissungos – Cantos de Vida e Morte” pelo Programa de Residência Artística da Fundação Clóvis Salgado. Também é pesquisadora associada ao Centro Latino-Americano de Estudos em Cultura (CLAEC), editora da Revista Temporalidades e autora vinculada ao projeto “Itinerâncias e metamorfoses do pensamento africano e afrodiaspórico” (UFMG).
Cartas de Memórias
Vídeo-dança: Agradecimento
Júlia Braga Nascimento é belorizontina. Profissional da Dança pelo SATED/MG e graduanda do curso de Educação Física da UFMG. Atualmente é bailarina no Projeto de Extensão Escola de Dança e Ritmos Sarandeiros e professora de dança do Minas Tênis Clube no Colégio M2. Pesquisadora do grupo Edudança sobre a temática da Dramaturgia das Danças Brasileiras.
Descrição: Agradecimento foi uma expressão ao ter contato com a história de suas avós e bisavós. Teceu juntamente com elas narrativas de suas histórias para compreender e narrar a sua própria história. Além disso, percebeu que essas histórias dialogam com as histórias de outras mulheres e estabelecem conexões entre as mesmas. Dessa forma, apresenta o seu Agradecimento.
Performance multimídia: Sobre ter-sido e mulher que se (Eu)vira
Maria Luísa Bastos Pimenta Neves, 48 anos, tem raízes mineiras e está radicada em Lauro de Freitas/BA desde 2000. Há 30 anos é capoeirista e a partir desse encontro com a cultura popular traça sua trilha formativa e diversa: é artista, mãe, produtora cultural, pedagoga, mestranda em Educação (UFBA). Também é escritora e narradora em constante investigação sobre a temática da capoeira. Trabalha pelo bem estar e valorização de mestras e mestres da capoeira. A ação de mulheres, familiares ou não, na cultura e na vida ocupa grande parte de sua atenção.
Descrição: A performance multimídia ‘Sobre ter-sido e mulher que se (Eu)vira” traz à tona o ofício de costureiras de gerações passadas de sua família materna e dialoga amorosamente com afetos e desafetos das histórias de vida de mulheres da sua família. Fortes mulheres. Uma homenagem a sua tia-avó, costureira de mão cheia, Elvira.
Poesia: A bênça vovó Maria
Michele Pereira da Silva, preta, mulher, artista, nascida e criada na cidade de Campos dos Goytacazes/RJ, professora em formação em Licenciatura em Teatro pelo Instituto Federal Fluminense, Campos – Centro. Integrante do Coletivo Artístico Saravá; produtora do evento cultural Flor-e-Ser, que tem como objetivo criar um espaço de encontro para artistas locais desde 2015; Triangulista na banda de forró Xoxote, composta por mulheres; e integrante do projeto Duas Mulheres, que tem como foco o trabalho com performances e oficinas teatrais.
Descrição: A poesia “A bênça vovó Maria”, é um recorte sob meu olhar ante aspectos que acompanhei da trajetória de Maria Pereira da Silva, preta, mulher, mãe de oito pessoas, avó de treze e bisavó de cinco. Foi escrita em meio à experiência de revisitar, em memórias, saberes de mulheres mais velhas da minha família, da qual poderia citar tantas, assim como citei no curso, mas no final das contas apresentei a minha avó Maria em uma poesia, que também expôs meus incômodos sobre a que condição destina-se a mulher.
Cartão Postal: Tia Mocinha
Rita de Souza nasceu em Belo Horizonte, onde vive e trabalha atualmente.Tem formação em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Minas Gerais e em História da Arte pela Université de Montréal no Canadá. Conciliando a Arte e a História, seu trabalho explora a produção artística como forma poética de registro. Valoriza a memória e as peculiaridades de um contexto, de uma época e de um lugar. Com o olhar atento, seu trabalho tentar captar e transformar através da linguagem visual, elementos simples do cotidiano. Elementos estes que podem passar despercebidos no convívio diário e na vida turbulenta contemporânea. Busca associar as histórias presentes na cultura material com contextos da atualidade.
Descrição: Buscando histórias e raízes ancestrais, encontrei com a ajuda de minha mãe, que tem veia de historiadora, e da querida Dadal relatos ricos sobre a vida da Tia Mocinha, a mãe de Dadal e de Leonor. Lindo descobrir relatos tão emocionantes sobre sua vida e que não cabem somente numa escrita.
Minha profunda admiração por todas as mulheres da minha família. Mulheres alegres e fortes, assim como as flores de um tecido de Chita.
Poema: Quintal de vó Maria (Jéssica Marroques)
Quintal de vó Maria
Nos latidos das casas,
dos pés de manga
e de molecas,
do outro lado da rua do rio
abri a janela
pulei.
A procura do canto
da prosa que narra
a história de nós.
Nos olhos perdidos
encontrei em sopro
o vento do mar
que desenhou no rosto
silhuetas de cabelos negros
que permeiam de negros
a história de minha vó.
Dos gostos,
Das brincadeiras
Lata d’agua
Peixeira na mão
Cirandas
Riachos e lava pés
Movimentos de genipapo
Tamboril de cabaça
Pés descalços
Rodas,
Gigantes.
Dela se misturam
Histórias que cicatrizam em mim
Memórias de filhas, de mães, de tias, de nós.
Ecoa o canto delas, Maria
Em cada canto desse povo
Ecoa o canto delas, Maria
Em cada verso desse louvo
Ecoa o canto delas, Maria
A nossa voz em coro
Tantas e tantas e quantas Marias?
Maria Aparecida
Maria da Conceição
Maria das Dores
Maria da Glória
Maria Antônia
Maria Rita
Maria das Graças
Maria Ginesta
Maria da Consolação
Maria da Esperança
Marias,
Guiam
Dia
A
Dia
O sol
De
Cada
Dia.
Do tecido na muleira,
Do canto de ninar
No fundo do quintal
Baixo e salgado
As vezes alumia
E incendeia
Como rojão
De boiado
De guarda
De congado.
Maria é forte, mas tão forte
Que sua doçura firma o corpo
Dos sons dos dentes,
Olhos espiritados
e peito em prumo
De coração
De vontade
De felicidade
De coragem
De ter em mim
Tantas e quantas Marias?
(Jéssica Marroques)