A EBP-MG e o Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes – Fundação Clóvis Salgado dão início a mais um ano da Mostra de Cinema e Psicanálise, um projeto que promove encontros entre o cinema e a psicanálise, ampliando olhares sobre as imagens e as emoções que elas despertam.
Sobre a Programação do 1º Semestre (2025):
A Lente Clínica
Por Antônio Teixeira, coordenador do projeto e psicanalista membro da EBP-AMP.
É um fato, há muito notado por Walter Benjamin, que o cinema enriqueceu nossa capacidade de observação com meios que nos aproximam do olhar clínico da psicanálise. Se a psicanálise, desde a Psicopatologia da Vida Cotidiana, isolou, ampliou e deu especial visibilidade a coisas que até então passavam desapercebidas, tais como um lapso, um erro de memória ou mesmo um Witz, o cinema veio gerar um aprofundamento perceptivo análogo ao destacar, graças ao grande plano, à suspensão calculada do diálogo e à câmara lenta, uma natureza até então oculta ao olhar imerso no fluxo contínuo das ocorrências mundanas. Cinema e psicanálise assim se entredizem na feliz confluência desses dois métodos, que nos permite ler as melhores películas com um olhar clínico cinematográfico.
Sobre a próxima sessão
No dia 18 de julho de 2025, às 19h, o projeto Cinema e Psicanálise prossegue com a exibição de Macunaíma (Brasil, 1969), filme dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e baseado no romance homônimo de Mário de Andrade. Obra fundamental do cinema novo, a adaptação cinematográfica atualiza, com invenção e irreverência, uma das mais complexas narrativas sobre a identidade brasileira, transformando-a em campo fértil para o olhar clínico e literário. Nesta sessão, o debate contará com a presença de Teodoro Assunção, professor de literatura da UFMG e escritor, e Antônio Teixeira, psicanalista e coordenador do projeto.
Narrado como uma anti-epopeia tropical, o filme acompanha as metamorfoses de Macunaíma, herói “sem nenhum caráter”, desde seu nascimento incomum no coração da floresta até sua deriva tragicômica pelos espaços urbanos. Essa jornada oferece uma alegoria provocadora dos impasses culturais, raciais e subjetivos do Brasil.
Na linguagem cinematográfica de Joaquim Pedro, a hibridez estética do romance é potencializada: o riso carnavalesco, os signos do teatro popular, os estilhaços da cultura de massa e os vestígios do mito se condensam numa visualidade que ora encanta, ora desconcerta — como se o filme, tal qual seu protagonista, também recusasse qualquer fixidez identitária.
A sessão convida o público a mergulhar num Brasil que é, ao mesmo tempo, fábula e diagnóstico. Um país atravessado por contradições estruturais — coloniais, sociais, sexuais — que, por meio da linguagem do cinema e da escuta da psicanálise, podem ser relidas em suas camadas mais profundas.