Poucas experiências culturais tocam tão diretamente a imaginação quanto aquela em que a literatura se transforma em imagem, e a palavra — impregnada de mistério, medo ou desejo — se converte em sombra projetada na tela. É dessa conversão silenciosa, dessa passagem entre mundos, que nasce a MARATONA DAS PÁGINAS MACABRAS: uma vigília cinematográfica dedicada às grandes histórias de horror da literatura, recriadas pelo cinema ao longo de quase um século.
Mais do que um prólogo à mostra STEPHEN KING: DO TERROR AO DRAMA, esta maratona é uma travessia por aquilo que o medo tem de mais duradouro: seu poder de permanecer. De adaptar-se ao tempo. De moldar-se às formas da linguagem, sem jamais perder sua essência.
Iniciamos ao cair da tarde, com a delicadeza e a inquietação quase fantasmagórica de Os Inocentes (1961), onde a narrativa de Henry James se revela como uma tapeçaria de silêncios e ambiguidade. Em seguida, Os Pássaros (1963), adaptação do conto de Daphne du Maurier, nos recorda de que o pavor mais genuíno talvez não venha dos monstros, mas do colapso da ordem cotidiana — do inesperado que irrompe no familiar.
Conforme a noite avança, os filmes tornam-se mais densos, mais corpóreos. O Enigma de Outro Mundo (1982) nos apresenta um horror glacial, quase clínico, enquanto Hellraiser (1987), concebido pelo próprio autor Clive Barker, mergulha no desejo e na dor como dimensões inseparáveis. Logo depois, O Exorcista (1973) — uma das obras mais marcantes do gênero — eleva o medo à categoria de tragédia espiritual, como se o mal residisse tanto no corpo quanto na alma.
Às quatro da madrugada, quando o mundo parece suspenso entre a vigília e o sonho, duas telas se acendem: O Gato Preto (1934), livremente inspirado por Edgar Allan Poe, evoca o horror com gestos teatrais e luzes expressionistas; e Entrevista com o Vampiro (1994), no aconchego da sala escura, transforma o vampirismo em metáfora para o tempo, a perda e a memória.
Com a chegada do dia, a maratona assume outro tom — mais próximo do épico e do psicológico. Drácula de Bram Stoker (1992), sob a direção de Coppola, é um balé de desejo e condenação. O Bebê de Rosemary (1968), uma inquietante obra de Polanski, faz do lar e da maternidade um campo de horror silencioso. Já Desafio do Além (1963) nos leva de volta ao sussurro do invisível, àquilo que não se vê, mas se sente.
À tarde, o horror ressurge em roupagens modernas: O Chamado (2002) transporta a maldição para o universo tecnológico; Deixa Ela Entrar (2008) trata a infância e o vampirismo com uma ternura brutal; O Mensageiro do Diabo (1955), com sua poesia sombria, recorda-nos que o mal pode ter o rosto de um homem comum. E por fim, O Telefone Preto (2021), de Scott Derrickson, fecha o ciclo com ecos do sobrenatural e da infância marcada pela violência — já apontando, sem o dizer, para o território que será ocupado por King.