O percurso de Jaime Chávarri, cineasta nascido em Madrid em 1943, revela-se como um dos mais ricos e complexos da cinematografia espanhola contemporânea. O diretor e sua obra, porém, ainda são pouco conhecidos no Brasil. Pensando nisso, o Cine Humberto Mauro realiza, pela primeira vez no país, uma mostra dedicada a Chávarri, exibindo 9 de seus 20 longas-metragens dos dias 9 a 14 de setembro (terça a domingo). Com entrada gratuita e realizada em parceria com o Instituto Cervantes, a mostra inclui ainda filmes de outros diretores espanhóis aclamados, como Carlos Saura, Víctor Erice e Jesús Franco. Metade dos ingressos estará disponível, de forma on-line, a partir de meio-dia do dia das sessões, no site da Eventim; o restante será distribuído presencialmente na bilheteria do Cine Humberto Mauro, meia hora antes de cada exibição, mediante a apresentação de documento com foto.
Confira a programação completa
A obra de Jaime Chávarri, que atravessa mais de sete décadas, caracteriza-se por uma constante oscilação entre o registro intimista e a análise sociopolítica, revelando uma profunda sensibilidade estética e um olhar crítico aguçado sobre a realidade espanhola. Do documentário à ficção, do cinema autoral ao popular, Chávarri construiu uma filmografia marcada pela versatilidade das formas fílmicas, o que ficará nítido na curadoria, que reúne obras feitas entre os anos 1960 e 2000. A mostra conta ainda com uma sessão do filme “Desencanto” (1976) apresentada de forma remota pelo diretor – diretamente da Espanha – no dia 9 de setembro, com uma sessão comentada pela pesquisadora Helena Elias, sobre o filme “Para um Deus desconhecido” (1977), em 10 de setembro (quarta-feira), e com uma mesa online no dia 13 de setembro (sábado), com Jaime Chávarri, Victor Guimarães e mediação de Helena Elias. Já em 13/9 (de sexta-feira para sábado), a tradicional “Sessão da Meia-Noite” acontece com o filme “Vampiras Lésbicas” (1971), dirigido por Jesús Franco e com roteiro coescrito por Jaime Chávarri.
A mostra “Jaime Chávarri” é realizada pelo Ministério da Cultura, Governo de Minas Gerais, Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais e Fundação Clóvis Salgado. As atividades da Fundação Clóvis Salgado têm a Cemig como mantenedora, Patrocínio Master do Instituto Cultural Vale e Grupo FrediZak, Patrocínio Prime do Instituto Unimed-BH e da ArcelorMittal, Patrocínio da Vivo e correalização da APPA – Cultura & Patrimônio. O Palácio das Artes integra o Circuito Liberdade, que reúne 35 equipamentos com as mais variadas formas de manifestação de arte e cultura em transversalidade com o turismo. A ação é viabilizada por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Vale-Cultura. Governo Federal, Brasil: União e Reconstrução.
Encontro de culturas — O reconhecimento de Jaime Chávarri enquanto autor consolidou-se com “Desencanto”, um documentário de notável complexidade simbólica e emocional. A obra acompanha os descendentes do poeta franquista Leopoldo Panero e, sob a aparência de um retrato familiar, revela-se um comentário devastador sobre a ruína de um modelo patriarcal e ideológico em desagregação. O filme, que inicialmente se apresentava como uma crônica intimista, rapidamente foi interpretado como metáfora do próprio fim do franquismo (regime fascista que governou a Espanha entre 1939 e 1975), tornando-se referência incontornável do documentário político espanhol. A linguagem sóbria, as entrevistas diretas e a exposição de conflitos não resolvidos conferem à obra um caráter quase psicanalítico, a partir do qual o espaço doméstico se transforma em palco de uma memória coletiva ainda em disputa.
Essa habilidade de operar nas margens entre o privado e o político reaparece de modo recorrente em sua filmografia. Em “As bicicletas são para o verão” (1983), adaptação da peça de Fernando Fernán Gómez, Chávarri retrata a Guerra Civil Espanhola a partir da perspectiva doméstica e cotidiana de uma família madrilenha. Longe de heroísmos e retóricas épicas, o filme aposta na sutileza emocional e na construção de atmosfera para capturar a dilaceração da experiência civil durante o conflito. Nesse sentido, a guerra não é apenas pano de fundo, mas uma presença difusa que se infiltra na linguagem, nas ausências e nos pequenos gestos — uma estratégia narrativa coerente com o cinema de memória que se consolida na Espanha democrática.
Se por um lado Chávarri se destaca como cronista sensível das fraturas históricas espanholas, por outro ele não recusa o apelo popular e o melodrama como ferramentas expressivas. “As Coisas do Querer” (1989) é exemplar nesse aspecto: um musical que celebra o universo da copla (poesia espanhola de cunho popular) e do flamenco, ao mesmo tempo em que aborda a repressão de gênero e sexualidade durante o franquismo. Longe de ser apenas um entretenimento escapista, o filme investe na dimensão simbólica da música como espaço de resistência e afirmação de identidades dissidentes.
Segundo Vitor Miranda, Gerente de Cinema da Fundação Clóvis Salgado e curador da mostra, “Jaime Chávarri representa um caso raro de coerência artística aliada à capacidade de renovação. Ao longo de sua carreira, o diretor navegou com liberdade por diferentes registros e formatos, sem jamais abdicar de uma escuta atenta aos conflitos históricos e subjetivos que atravessam a sociedade espanhola. Mais do que uma retrospectiva, a mostra propõe um verdadeiro mergulho na trajetória de Chávarri, cuja obra percorre com sensibilidade as tensões entre o íntimo e o coletivo, o passado e o presente. Ao oferecer acesso gratuito a uma programação tão rica, a mostra reafirma o papel do cinema público como espaço de formação, democratização do saber e valorização da diversidade cultural. Celebrar Jaime Chávarri em um momento como este é também reafirmar o valor do encontro — entre olhares, gerações e mundos”, ressalta Miranda.
CINE HUMBERTO MAURO – Um dos mais tradicionais cinemas de Belo Horizonte, foi inaugurado em 1978. Seu nome homenageia um dos pioneiros do cinema brasileiro, o mineiro Humberto Mauro (1897-1983), grande realizador cinematográfico. Com 129 lugares, possui equipamentos de som Dolby Digital e para exibição de filmes em 3D e 4K. Nestes mais de 45 anos de existência, a Fundação Clóvis Salgado tem investido na consolidação do espaço como um local de formação de novos públicos a partir de programação diversificada, bem como através da criação de mecanismos de estímulo à produção audiovisual, com a realização do tradicional FestCurtasBH – Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte, e o Prêmio Estímulo ao Curta-Metragem de Baixo Orçamento. O Cine Humberto Mauro também é um importante difusor do conhecimento ao promover cursos, seminários, debates e palestras. Sessões permanentes e comentadas também têm espaço cativo a partir das mostras História Permanente do Cinema, Cinema e Psicanálise, Curta no Almoço, entre outros. Todas as atividades do Cine Humberto Mauro são gratuitas.
FUNDAÇÃO CLÓVIS SALGADO – Com a missão de fomentar a criação, formação, produção e difusão da arte e da cultura no estado, a Fundação Clóvis Salgado (FCS) é vinculada à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult). Artes visuais, cinema, dança, música erudita e popular, ópera e teatro constituem alguns dos campos onde se desenvolvem as inúmeras atividades oferecidas aos visitantes do Palácio das Artes, CâmeraSete – Casa da Fotografia de Minas Gerais – e Serraria Souza Pinto, espaços geridos pela FCS. A Instituição é responsável também pela gestão dos corpos artísticos – Cia de Dança Palácio das Artes, Coral Lírico de Minas Gerais e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais –, do Cine Humberto Mauro, das Galerias de Arte e do Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart). A Fundação Clóvis Salgado é responsável, ainda, pela gestão do Circuito Liberdade, do qual fazem parte o Palácio das Artes e a CâmeraSete, entre outros diversos equipamentos. Em 2021, quando celebrou 50 anos, a FCS ampliou sua atuação em plataformas virtuais, disponibilizando sua programação para público amplo e variado. O conjunto dessas atividades fortalece seu caráter público, sendo um espaço de todos e para todos.
INSTITUTO CERVANTES – O Instituto Cervantes é a organização pública internacional criada pelo Governo da Espanha em 1991 para promover universalmente o ensino, o estudo e o uso do espanhol e contribuir para a disseminação das culturas hispânicas. Dependente do Ministério de Relações Exteriores, União Europeia e Cooperação, colabora com instituições nacionais e internacionais de prestígio, tanto públicas quanto privadas, com o objetivo de garantir que os produtos e serviços relacionados ao espanhol sejam regidos por critérios de qualidade e de promover o encontro e o intercâmbio da cultura espanhola e pan-hispânica com outras culturas do mundo. Em suas atividades, o Instituto Cervantes concentra-se principalmente no patrimônio linguístico e cultural comum aos países e povos da comunidade de língua espanhola. Está presente em mais de 90 cidades, oito delas no Brasil, em 54 países dos cinco continentes.