Exercícios de interpretação das obras de arte do acervo da Fundação Clóvis Salgado

Como todo o semestre, desde 2017, os quatro cursos da Escola de Artes Visuais (Escavi) do Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart), da Fundação Clóvis Salgado (FCS), reúnem-se para produzir uma mostra de artes visuais. A mostra atual é a CHAMA: 7 Acervos da Memória – 7ª Mostra da Escola de Artes Visuais – Cefart | FCS, para a qual foram escolhidas quatro obras do acervo da FCS, de autoria da artista mineira Yara Tupynambá, para servir de inspiração, estro e referência para os debates, obras, projetos curatoriais e expográficos. 

Nascida em 1932, em Montes Claros, Yara Tupynambá iniciou seus estudos em arte nos anos de 1950, com Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) em Belo Horizonte. Yara, em momento algum, aparenta ter a idade que tem, pois o raciocínio ágil e a dicção que acompanha a velocidade de pensamento sempre atuam para demonstrar um sólido conhecimento em artes e sua memória prodigiosa. 

Yara Tupynambá, mulher de posições intelectuais firmes, abrindo os trabalhos do 1º semestre de 2021 da Escavi no dia 14 de junho de 2021, ministrou uma palestra explicando a sua trajetória como artista e o seu processo de pesquisa e de criação. A partir da grande receptividade dessa “aula aberta” por parte dos discentes da Escavi, um grupo de professores dessa escola criou um projeto curatorial tendo como eixo as quatro obras de Yara Tupynambá que pertencem ao acervo da FCS. As peças são as três xilogravuras “Assombração”, “Cobra Norato” e “Negrinho do Pastoreio” e uma peça composta com a técnica de pastel a óleo sobre cartão, intitulada “Meninos de Berilo”. Nenhuma das quatro obras têm datas registradas. Muito provavelmente as obras foram doadas pela artista à FCS como contrapartida de alguma das suas inúmeras exposições individuais na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard da Fundação Clóvis Salgado, durante os anos de 1980 ou 1990. 

As três xilogravuras contêm uma temática muito própria do modernismo brasileiro, a valorização da regionalidade e a busca por inspiração naquilo que é mais interiorano na cultura chamada de brasileira. Assim, “Cobra Norato”, lenda originária dos povos amazônicos, e “Negrinho do Pastoreio”, conto de procedência sulina, se encaixam perfeitamente nessa missão modernista de construir uma nacionalidade a partir de especificidades regionais. Em “Assombração”, por outro lado, a temática é mais universal, pois todas sociedades produzem seus fantasmas. Já em “Meninos de Berilo”, a temática regional coloca em evidência outra ideia importante para o modernismo brasileiro: a superação de problemas. Percebe-se que, se as fontes dessas quatro obras são modernistas, sua execução, composição, técnicas, traços, cores e linhas pertencem à arte contemporânea.

Repete-se aqui a fórmula praticada no primeiro semestre de 2021 de valorizar o acervo da Fundação Clóvis Salgado, divulgar suas obras e convidar alunes da disciplina de Acervo do Curso Básico de Curadoria para analisar as obras – primeiro individualmente, como uma avaliação corriqueira da disciplina, depois coletivamente, aprofundando abordagens e debatendo com os colegas. Tendo por objetivo construir uma interpretação dessas quatro obras, fazendo conexões entre técnicas, cores, linhas e formas, ao se redigir uma crítica de arte, as produções literárias se equilibram entre as diversas cargas de leituras desses jovens escritores e proporcionam um diálogo com a temporalidade da criação artística, com as técnicas empregadas e com as experiências de vida da artista. Assim, dessa maneira, o corpo discente de curadoria tem a possibilidade de experimentar a função de crítico de arte, valorizando os conteúdos programáticos das disciplinas Estudos da Imagem, Fundamentos em Curadoria, Arte Brasileira e principalmente Acervo. 

Outro ponto que é necessário destacar é a importância das relações entre Yara Tupynambá, a Fundação Clóvis Salgado, o ensino de Artes, Guignard e o Parque Municipal Américo Renné Giannetti. Nos anos de 1950, quando Yara era uma jovem garota na casa dos seus vinte anos, iniciou-se nos estudos de arte com Guignard. Esse grande pintor fluminense se mudou para Belo Horizonte, em 1944, a pedido do então prefeito Juscelino Kubitschek (1902-1976) e fundou, no Parque Municipal, a Escola de Belas Artes, ministrando cursos livres de desenho e pintura. Durante os 18 anos de sua prática educativa, Guignard usou os espaços de uma construção que viria ser, nos anos de 1970, a FCS e teve como alunos artistas fundamentais para a história da arte brasileira, como, por exemplo, Farnese de Andrade (1926-1996), Amílcar de Castro (1920-2002) e Lygia Clark (1920-1988), que aprenderam a pintar no maior espaço arborizado de centro de Belo Horizonte. 

Por fim, é necessário lembrar que o processo de crítica de arte é uma das partes constituintes da pesquisa em artes, processo fundamental para impedir que a obra de arte seja apenas uma ilustração e para dar significado, traçando comparações, àquela obra no tempo em que foi concebida. Contudo, para isso são requeridos estudos, leituras e sensibilidade, além de outro fator primordial, que é o de abandonarem-se pré-julgamentos a respeito da obra em si ou dos símbolos que a compõem. 

Acredita-se que os textos a seguir conseguiram de forma satisfatória fazer essas inferências construtivas sobre as obras. Isso posto, convido vocês à leitura dos textos dos alunos do Curso Básico de Curadoria do Cefart | FCS.

Sobre o autor: Alexandre Ventura é professor de História da Arte no Cefart | FCS, graduado em História pela UFMG e mestre em História Social pela PUC-SP.