Fotoperformance e o hibridismo de linguagens nos trabalhos de Marcela Tiboni

Atualmente, linguagens mais tradicionais das artes visuais como pintura, escultura e desenho são apresentadas em criações que combinam materiais e técnicas, originando objetos artísticos de linguagem híbrida. O hibridismo nas artes visuais pode ser caracterizado pela união de dois ou mais gêneros ou estilos, com elementos de linguagens diferentes gerando um terceiro (NUZA, 2014). Esse hibridismo seria a criação de obras que ultrapassam os limites de uma linguagem, incorporando em sua constituição técnicas diversas e estilos distintos, surgindo a partir de experimentações e de novas formas de produção.

Essa prática pode ser notada com maior frequência a partir dos anos 1960, quando os artistas começam a explorar técnicas variadas em um mesmo trabalho. A performance desde seu surgimento estabelece relações com diferentes técnicas e linguagens como a pintura, música, dança, teatro, ou criando ambientes com instalações.

O diálogo entre a performance e a pintura, por exemplo, aparece nos trabalhos da década de 1950 do norte-americano Jackson Pollock, em que o artista colocava o gesto do corpo como forma de criar suas pinturas de ação. Pollock não fazia performance como linguagem, pois o produto final era a pintura, mas a ação do corpo era fundamental para a realização das obras. Em 1960, o francês Yves Klein realizou suas “Antropometrias”: um misto de pintura, performance e música em que uma pintura era realizada por corpos de mulheres cobertos de tinta – como se fossem pincéis – ao som de uma música tocada ao vivo. O artista também realizou o “Salto no vazio” (Figura 1) criando uma fotomontagem a partir de um salto de uma sacada, executando o que podemos chamar hoje de fotoperformance. Klein chegou a dizer: “Sou o pintor do espaço, para pintá-lo, coloquei-me no seu lugar, no próprio espaço” (GIANNOTTI, 2009).

Figura 1: “Salto no vazio”, Yves Klein, 1960. Fonte: Wikiart

A fotoperformance une a performance e a fotografia, podendo abranger outras linguagens na composição da imagem resultante da ação performática. Nela o performer realiza sua ação especificamente para a câmera. O mesmo pode acontecer com o vídeo, em que o resultado é a videoperformance. A fotoperformance não é somente um registro documental, sendo que toda a ação se passa em função da câmera, constituindo como obra a fotografia. O ato performativo se transforma em obra de arte por meio da imagem fotográfica (LEMOS, 2019).

Nos trabalhos da artista Marcela Tiboni podemos encontrar um hibridismo de linguagens e referências da história da arte que tem como resultado suas fotoperformances.

Marcela Tiboni nasceu em São Paulo/SP, é bacharela em Artes Plásticas, mestra em Estética e História da Arte na USP e pós-graduada em Gestão Cultural pelo Senac de SP. Em seus trabalhos iniciais, buscou uma reafirmação da pintura por meio de outras linguagens como a performance e a fotografia, investigando novas formas de pintar, revisitando referências na história da arte, utilizando a cor e o próprio corpo como suporte ou em representações de obras históricas. Sobre esses trabalhos a artista relatou o seguinte: “O primeiro pensamento que eu tive foi de que a pintura seria a cor somada ao gesto do artista, o que resultou na obra ‘O gesto da arte’. Hoje o meu trabalho não está tão ligado com a tinta, mas continua com toda a discussão do corpo, de sentir a tinta, de fazer o gesto e recebê-lo. A obra sempre acontece no meu próprio corpo” (CANTON, 2009, p. 31). Com o hibridismo de linguagens e a experimentação no campo da pintura podemos perceber que os artistas da atualidade não negam o passado, mas buscam confrontar suas referências, tentando descobrir novas relações formais em suas composições (GIANNOTTI, 2009).

Atualmente, Tiboni se dedica à literatura, abordando temáticas como a maternidade e a homoafetividade.

Em 2018, ela participou da exposição “Entre acervos, uma experiência Transregional a partir de acervos públicos”, na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, no Palácio das Artes. Sendo parte da programação do ARTEMINAS, a exposição contou com obras de trinta artistas pertencentes a acervos públicos dos museus do estado de Goiás e de artistas mineiros que passaram a integrar o acervo da Fundação Clóvis Salgado. A obra exposta foi o díptico “Monocromático” (2003), fotoperformances medindo 30x40cm cada e pertencentes ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da cidade de Jataí, no estado de Goiás.

Observe a seguir alguns trabalhos da artista.

Veja que a artista utiliza seu corpo como suporte e como elemento compositivo em suas produções.

Figura 2: “Compor-re-compor”, Marcela Tiboni, 2003. Fonte: Revista Performatus, 2014
Figura 3: “Monocromático”, Marcela Tiboni, fotoperformance, 2003. Fonte: site da Fundação Clóvis Salgado
Figura 4: “Monocromático”, Marcela Tiboni, fotoperformance, díptico, 30x40cm cada 2003. Fonte: Catálogo da exposição “Entre acervos, uma experiência Transregional”

Nessas obras de Marcela Tiboni podemos perceber a ação performática na qual a artista realiza gestos que se configuram como pintura, a partir da cor, da forma e de seu corpo em uma só imagem. No trabalho, esses gestos têm como finalidade a captura por meio da fotografia, sendo a obra final uma fotoperformance.

A fotoperformance possibilita aos artistas utilizarem várias técnicas em uma mesma obra e com isso expandir as possibilidades criativas da performance, que ganha novas formas de exibição, não sendo somente uma experiência no espaço e tempo, mas alcançando outros públicos e trazendo novas maneiras de apresentação e apreciação.

Você já experimentou usar linguagens diferentes em uma obra? A fotoperformance é uma boa opção para criar e apresentar seus trabalhos dialogando com técnicas que se complementam.

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Referências:

ARTEMINAS / Entre Acervos. Disponível em: <https://fcs.mg.gov.br/eventos/arteminas-entre-acervos/> Acesso em: 05 jul. 2022.

ARTEMINAS / Exposição Entre Acervos, 2018. Disponível em: <https://www.appa.art.br/2018/08/31/arteminas-exposicao-entre-acervos-julho-a-outubro/> Acesso em: 05 jul. 2022.

CANTON, Katia. Corpo identidade e erotismo. São Paulo: WMF. Martins Fontes, 2009. (Temas da arte contemporânea).

Catálogo da Exposição “Entre acervos, uma experiência Transregional a partir de acervos públicos”, 2018.

COHEN, Renato. Performance como Linguagem. Editora: Perspectiva, SP, 2013.

GIANNOTTI, Marco. Breve história da pintura contemporânea. Editora Claridade, SP, 2009.

LEMOS, Jessica. CORPO, IMAGEM E PERFORMATIVIDADE NA FOTOGRAFIA: Um Estudo Sobre a Linguagem da Fotoperformance. Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Universidade Federal de São João del Rei, UFSJ. 2019. (Dissertação de Mestrado).

MARCONDES, Renan. “Violência Gráfica: As Armas de Marcela Tiboni”. E Revista Performatus, Inhumas, ano 2, n. 12, out. 2014. ISSN: 2316-8102.

NUZA, Darli Pereira. Pintura híbrida: processos criativos com pintura e projeção mapeada. 2014. 95 f., il. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

Sobre o autor:

Giovane Diniz é licenciado em Artes Plásticas, mestre em Artes Visuais, artista plástico, professor e mediador cultural na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.