Latas nada descartáveis: Andy Warhol e Alphonse Mucha enlatados

Há um tempo, estava em um supermercado e em uma das prateleiras “dei de cara” com as sopas enlatadas Campbell’s, que se tornaram muito conhecidas por meio de uma série de 32 telas do artista Andy Warhol. No mesmo supermercado, em outra prateleira, vi latas de biscoito importado com estampa de obras de Alphonse Mucha, importante artista da art noveau.

As latas, objetos tão comuns em nosso cotidiano, podem nos guiar em uma viagem no tempo e no espaço ao cruzarem a estética desses dois artistas. Se em Warhol as latas serviram como inspiração e motivo para a experimentação em uma linguagem inovadora nos primórdios da arte contemporânea, trazendo uma narrativa e um fazer artístico original em obras de arte, em Mucha vemos o artista a serviço do objeto, criando imagens publicitárias em uma parceria entre artes plásticas, design e decoração.


Campbell’s Soup Cans, Andy Warhol, 1962. Fonte: Wikiart.

Quando Warhol criou sua série de latas, ele estava, por meio delas, abordando uma temática de reconhecimento fácil e de crítica ao consumismo e à alienação capitalista, que eram assuntos corriqueiros para os artistas conceituais do pós-Segunda Guerra Mundial. Influenciados pelos artistas do século XX, os integrantes da pop art almejavam desconstruir as narrativas e as expressões artísticas acadêmicas advindas das Escolas de Belas Artes, bem como aproximar a arte da linguagem das massas a partir de técnicas e imagens populares. Por meio de serigrafias, pinturas com tintas industriais e outras experimentações, Warhol fazia a seriação de seus trabalhos, assim como eram seriados os enlatados da cultura americana. A originalidade de uma obra única e exclusiva começava a ser descartada com a arte contemporânea, que priorizava as ideias em detrimento dos objetos de arte. Sua série de latas Campbell’s é um reflexo desse pensamento ao confundir objetos artísticos com as latas dos supermercados, em uma reprodução idêntica às verdadeiras, dispostas como se estivessem em uma prateleira, enfileiradas.

Poster for Lefévre-Utile Biscuits, Alphonse Mucha,1896. Fonte: Pinterest.

Mucha, por sua vez, atuava em um período em que as artes decorativas estavam em campo favorável, em plena Bella Epóque europeia. Com o desenvolvimento da litografia colorida, o artista produzia para o mercado publicitário e, ainda que não se limitasse apenas a esse trabalho, é por ele reconhecido até hoje. Suas belíssimas composições, criadas para cartazes e propagandas, com formas sinuosas, femininas, florais e delicadas, são encantadoras.

É provável que quase ninguém se importe com latas. Após o consumo do produto nelas guardado, comumente são vistas como descartáveis. Às vezes, por serem recicláveis, as latas têm uma vida mais durável para além das lixeiras em um processo de transformação em outras coisas úteis. No entanto, se no lugar de rótulos simples estiver uma estampa temática ou meramente visual, com um toque de arte, elas se tornam pequenos mimos para muita gente. Nesse caso, o produto mais valioso é a embalagem.

Ao encontrarmos latas de biscoitos com motivos de Alphonse Mucha, pode ser que desperte em nós um desejo de investir nelas só por causa da exuberância do seu estilo vintage charmoso. E, convenhamos, também dá aquela vontade de ter uma latinha Campbell’s só para dar um toque pop na casa… Mas, e a sopa, será que tomaríamos?

Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.