Mestre Didi: rompimento da invisibilidade negra

Muito provavelmente você nunca ouviu falar de Deoscóredes Maximiliano dos Santos, também conhecido como Mestre Didi. Ele foi um artista múltiplo, dedicado à prática religiosa, à literatura, às artes visuais e às pesquisas religiosas e antropológicas. Nasceu em Salvador em 1917 e, ao longo dos seus noventa e seis anos de vida, foi um artista muito criativo e produtivo.

Mestre Didi tem em seu currículo vinte e duas exposições individuais e trinta exposições coletivas, várias delas internacionais. Sobre seus livros, são ao todo quinze. Fazendo uma rápida pesquisa sobre as obras literárias de autoria do Mestre Didi, viu-se que quase todas estão esgotadas. Ainda em sua biografia, de acordo com o Museu Afrobrasil, há onze prêmios e comendas recebidos ao longo de sua vida.

Nessa vida longa e laureada, há a necessidade de destacar a presença da sua esposa Juana Elbein dos Santos, argentina, doutora em antropologia pela Sorbonne. Segundo os estudiosos de Mestre Didi, ela foi fundamental no campo dos estudos, na vida religiosa, na produção artística e na criação da Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil – SECNEB.

O que nos importa aqui são as obras visuais. Nesse ponto, Mestre Didi tem uma produção tridimensional única, rica, diversificada e com materiais pouco usuais para o mundo artístico. O fato de Mestre Didi ser um líder religioso o fez produzir esculturas bem distantes da tradição europeia, tanto em relação aos materiais quanto em relação à técnica e à temática.

Em sua obra Opá Esin Métá, também denominada Os Três Caminhos, observa-se uma escultura esguia, elegante, com suas amarrações de tecidos coloridos, contas e búzios, que formam quatro círculos, de onde nascem três setas. Com materiais naturais, a obra remete à ideia de um objeto religioso, sem sê-lo na prática.

Figura 1: Opá Esin Métá (Os Três Caminhos), Mestre Didi, 1993.

 

Já em Iyá Agbá (Mãe Ancestral), observam-se contornos híbridos, de pássaro e humano, como que sustentado por duas pernas alongadas e um suposto tronco. No interior das supostas asas, temos quatro contornos em formato de gota. Acima dessas, outro contorno, também em formato de gota, no lugar de uma cabeça.

 

Figura 2: Iyá Agbá (Mãe Ancestral), Mestre Didi, 1998.

 

A riqueza de suas esculturas está no fato de serem ao mesmo tempo figurativas e abstratas, de parecerem ser objetos sagrados e ao mesmo tempo não serem. É comum obras de arte com temáticas baseadas na vida do povo preto usarem como fonte a religiosidade, mas nas obras do Mestre Didi não são de fato objetos sacros. Elas são criações artísticas inspiradas em elementos naturais, que remetem a elementos das religiões de matrizes africanas e suas ancestralidades. Pelos nomes iorubás que denominam suas obras, percebe-se o apego à ancestralidade.

Em relação às técnicas utilizadas pelo artista, pouco se conseguiu encontrar. Contudo, sabe-se que Mestre Didi foi um dos primeiros pesquisadores a visitar a África ainda nos anos 1960, em busca de suas raízes iorubás. Infere-se que daí surge a riqueza e a diversidade de técnicas e materiais em suas obras.

 

Sobre o autor:       

Alexandre Ventura é professor de História da Arte no Cefart – FCS, graduado em História pela UFMG e mestre em História Social pela PUC-SP.

 

Referências:

Imagens

Figura 1 – Opá Esin Métá (Os Três Caminhos). Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra25360/opa-esin-meta-os-tres-caminhos>. Acesso em: 30 de jul. 2020.

Figura 2 – Iyá Agbá (Mãe Ancestral). Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra44273/iya-agba-mae-ancestral>. Acesso em: 30 de jul. 2020.

 

Textos

ARAÚJO, Joel Zito (ORG.). O negro na TV pública. Brasília, FCP, 2012.

CONDURU, Roberto. Arte Afro-brasileia. Belo Horizonte, Editora C/Arte, 2007.

DEOSCÓREDES Maximiliano dos Santos. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Deosc%C3%B3redes_Maximiliano_dos_Santos> Acesso em: 30 de jul. 2020.

LODY, Raul. Dicionário de arte sacra & técnicas afro-brasileiras. Rio de Janeiro, Pallas, 2003.

MATTOS, Regiane Augusto de. História e cultura afro-brasileira. São Paulo, Contexto, 2016.

MESTRE Didi. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa21953/mestre-didi>. Acesso em: 30 de jul. 2020.

MESTRE Didi (Deoscóredes M. dos Santos). Museu afro Brasil. São Paulo, Secretária de Cultura e Economia Criativa. Disponível em: <museuafrobrasil.org.br/pesquisa/indice-biografico/lista-de-biografias/biografia/2016/04/07/mestre-didi-deoscoredes-m-santos>. Acesso em: 30 de jul. 2020.