Narrativas do Fazer Manual

Dados técnicos da obra
Autor: Jarbas Juarez 
Título: Café
Técnica: Xilogravura
Dimensão: 29 x 22 cm 
Ano de Execução: 1977

Pintor, escultor, desenhista são algumas formas de caracterizar o artista Jarbas Juarez, homenageado na 8ª Mostra da Escola de Artes Visuais CHAMA: tramas do Cefart – FCS. Mineiro de Coqueiral, nascido em 1936, suas obras carregam grande diversidade de técnicas e gêneros. Durante sua formação, frequentou a Escola Guignard da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e a Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também foi professor até sua aposentadoria, em 1994. Dada a sua importância para o surgimento da cena artística mineira, seu posicionamento crítico, assim como seu olhar diante dos cenários de Minas Gerais, a obra de Jarbas, assim como ele, segue viva, pulsante e atual. 

Jarbas Juarez tem uma carreira e uma vida longevas. Em sua produção diversificada há obras das mais diferentes linguagens. Com traços e pinceladas precisos e firmes, desenho primoroso e pintura geométrica, Jarbas se destaca pela sensibilidade e originalidade. Inquieto, versátil e incansável experimentador, pesquisa diversos materiais – sucatas, tecidos, papéis, resinas e tintas – e amplia o campo artístico, propondo também intervenções nos espaços públicos, abertas à participação dos transeuntes. Trabalha, ainda, várias temáticas ao longo de sua carreira, como figuras femininas, animais, nus, arquiteturas, naturezas-mortas e retratos. 

Dentre o universo regional, é recorrente o tema do café, como nas telas “Limpando o café” (2007), “Lavradora” (2001), “Colheita de café” (1986) e “Apanhadeira de café” (1979). Tanto nas pinturas acrílicas e à óleo como na gravura, o artista retrata personagens dedicados ao cultivo desse produto largamente consumido no Brasil, cuja produção em Minas Gerais, datada desde o início do século XIX, é destaque: dados de 2021 apontam que o estado foi responsável pela maior safra do país. 

“Café” é uma xilogravura de 1977 integrante do acervo da Fundação Clóvis Salgado. Nela, o artista apresenta um elemento recorrente em sua produção, composta por várias obras que remetem a um ambiente rural, em que homens e, principalmente, mulheres são retratados com seus trajes típicos de trabalhadores rurais e realizando afazeres muito identificados com o ambiente cultural mineiro. Dentre pescadores, lavradores, lavadeiras de roupas e cozinheiras fazendo feijoadas e quitutes como a cocada e a broa de fubá, estão também pessoas dedicadas ao cultivo de um produto amplamente consumido no Brasil.

O título da obra remete principalmente à atividade realizada pela personagem apresentada e seu cenário. A mulher retratada usa avental e tem a cabeça protegida por um lenço, preso abaixo do queixo, e por um chapéu de abas largas. Sua imagem está posicionada no eixo central, ocupando quase a totalidade da gravura. Ela está de frente, segurando uma peneira na altura do abdômen, porém sua face – com olhos, nariz e boca estreitados no centro do rosto – e seu olhar estão virados à direita do espectador, funcionando como um convite para a reflexão sobre a bagagem dos que vivem do plantio, do manuseio e da colheita do grão. 

A intensidade de luz e de sombra remete ao sol intenso de uma plantação cafeeira, promovendo uma quase tridimensionalidade. O contraste de preto e branco sugere rusticidade e força, apresentada pela proporção e tamanho dos braços da mulher. A obra tem como referência a presença feminina na colheita do café. O artista se apropria da rusticidade desse trabalho para mostrar uma mulher forte, mas de olhar distante. O foco no olhar, traço muito próprio de Jarbas, sobrepõe-se ao restante da figura humana e do fundo. Ao observar a tela, de um lado ao outro, busca-se por algo mais, mas tudo já está à nossa frente. É bastante provável que, com a presença da cor ou com o uso de outra técnica, este olhar talvez não fosse mais o mesmo, uma vez que as escolhas técnicas do artista também contribuem para a construção da narrativa da obra.

Em “Café”, a escolha da técnica exerce papel metalinguístico. A xilografia é uma técnica artística totalmente manual, que exige domínio sobre os procedimentos, ferramentas e dispositivos. Consiste no entalhe da madeira com o uso da goiva, ferramenta semelhante a um formão, que permite a perfuração de sulcos no suporte para a produção da matriz, a partir da qual é impressa a imagem gravada. Nesse tipo de gravura, o que se vê após a impressão são os espaços da superfície que não sofreram perfurações com a goiva. 

Também manual era o trabalho nas antigas cafeeiras no Brasil, em que todo o processo, passando pelo plantio, colheita, secagem, moagem, preparo, até o momento do consumo, era feito manualmente por aqueles que trabalhavam nas fazendas. Na xilografia, a madeira entalhada é a matriz, em que o artista passa a tinta com rolo, sem ultrapassar os relevos, o que permite a reprodução de diversas imagens idênticas.

Ao utilizar a xilografia para a obra “Café”, Jarbas elucida a importância dos fazeres manuais e traz à luz o trabalho cotidiano, feito de forma paulatina por tantas pessoas marginalizadas, mas a gravura, pronta, é imponente, assim como a paisagem e o personagem, nos quais o artista se inspira. Talvez aí esteja a grande inventividade de “Café”: conhecemos obras com narrativas semelhantes às de Jarbas, porém, aqui, a técnica traz uma nova perspectiva, mais clara, sobre o que o artista deseja.

A obra, afinal, tende a apresentar humanidades. Realidades e culturas em tramas, embora nem sempre este entrelace seja visto, uma vez que nos deixamos levar por uma perspectiva de tempo veloz, tempo de olhares efêmeros.

Referências

ALVES, Joana Dar’c de Jesus. Premiações nos Salões de Belo Horizonte: da “desmaterialização” à realidade do circuito artístico (1969 a 1972), 2015. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós Graduação em Artes da Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. 

COSTA. Camilo Martins Henrique de. A xilogravura no Brasil – século XIX. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Biblioteca Nacional, 2013.

JUAREZ. Jarbas; SILVA, Fernando Pedro da; RIBEIRO, Marília Andrés. Jarbas Juarez: depoimento. Belo Horizonte: C/ARTE, 2003. (Circuito atelier 23).

JUAREZ. Jarbas. In ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa4074/jarbas-juarez>. Acesso em: 16 mar. 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7.

________. Jarbas Juarez.[S.L.], 2010. Disponível em <https://jarbas-juarez.webnode.com.br> Acesso em: 16 mar. 2022.

Agência Papoca. O QUE É XILOGRAVURA? Conheça a história e artistas que marcaram a técnica. [S.L.], [S.E.], 2019. In: LAART. São Paulo, 2020, Disponível em < https://laart.art.br/blog/o-que-e-xilogravura/> . Acesso em: 18 mar. 2022

Autores

Flávia Rodrigues Borges é mestre em Teoria Literária e Crítica da Cultura pela UFSJ. Já atuou em produções artísticas e editoriais. É aluna do curso de Curadoria do CEFART – FCS.

Helaine Queiroz é doutora em História pela UFMG, estudante de Artes Visuais na Escola de Belas Artes da UFMG e aluna do curso de Curadoria do CEFART – FCS.

Marcelo Heidenreich é artista visual, músico, compositor e poeta. Graduado em Marketing Digital pela UNOPAR, aluno do curso de Curadoria do CEFART – FCS.

Paula Ribeiro é bacharel em História pela PUC Minas e mestranda em História pela UFOP, artista visual e aluna do curso de Curadoria do CEFART – FCS.

Rafaela Angeli é artista visual, graduada em Jornalismo pela Universidade Fumec, pós-graduada em Linguagem e Tecnologia pelo CEFET-MG e em Processos Criativos em Palavra e Imagem pela PUC Minas e aluna do curso de curadoria do CEFART – FCS.

Vania Cáus é capixaba, artista visual multilinguagens e curadora independente. MBA em Curadoria, Museologia e Gestão de Exposições (Estácio de Sá).

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