Olá, mamãe! A monumental aranha de Louise Bourgeois

Nascida em 1911, em Paris, na França, Louise Bourgeois foi uma tecelã de suas vivências e memórias que traduzia em arte. Para ela, artistas deveriam falar de suas vidas e encontrar inspirações na natureza. Em meados de 1940, Louise começou a fazer desenhos e gravuras em que figuras de aranhas eram frequentes. A partir de 1990, imagens em grande escala dos bichinhos – que são assustadores para muita gente – se tornaram icônicas e marca registrada da artista, que iniciou uma série de esculturas em aço de aracnídeos.

Algumas esculturas de Louise Bourgeois se erguem em até 10 metros de altura no ar, pairando sobre as cabeças dos espectadores de forma ameaçadora. Ficar diante de uma de suas aranhas seria como estar em uma cena de filme de ficção: congelar-se na presença da figura gigante ou correr para bem longe de suas patas alongadas e elegantes a fim de não se tornar um alvo para sua teia. No entanto, essa perspectiva assustadora pode se converter em reflexões mais acolhedoras ao tomarmos nota de que as aranhas da artista referenciam a lembrança de sua mãe tecelã e o tempo em que Bourgeois trabalhou no ramo de tapeçaria, que era de família. Suas memórias de infância e da mãe deram origem à “Maman” (Mamãe), escultura surrealista de uma aranha com suas 8 patas e o ventre carregado de ovos, que teve edições espalhadas em museus pelo mundo, inclusive fez teia aqui no Brasil, passando pelo Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro e pelo Inhotim em Minas Gerais.

“Maman”, Louise Bourgeois, Musée des beaux-arts du Canada. Fonte: Wikimedia

“Maman” seria um expurgo da memória afetiva da mãe da artista, que para ela foi sua melhor amiga. Segundo Bourgeois, sua mãe havia sido “uma mulher deliberada, inteligente, paciente, calmante, razoável, delicada, sutil, indispensável, pura e tão útil quanto uma aranha”. Ao transformar esse afeto em uma figura peçonhenta e amedrontadora, a artista convulsiona essa primeira impressão e reorganiza as obviedades.

Uma das características de “Maman” é a justaposição de ideias na construção imagética. Se por um lado, na natureza temos a viúva-negra como um bicho temível, perigoso, que captura suas vítimas e as mata, por outro, na escultura gigante de Bourgeois com um saco de ovos no centro, temos uma aranha que ao mesmo tempo é predadora e progenitora. As patas, paradoxalmente finas, se firmam com força e vitalidade, bem como a famosa escultura “Davi”, do renascentista Michelangelo, que é a justaposição de princípios arquetípicos opostos. Nesta, os gestos delicados e efeminados se contrapõem à anatomia e ao olhar firme e mortífero daquele que mataria o gigante Golias.

A arte proporciona subjetividades que rompem com o que parece prosaico e nos abre um enorme leque de maneiras de perceber a vida e nos comunicar com o mundo. As obras de Louise Bourgeois são um convite a entrarmos na conversa interior da artista com suas memórias. Suas esculturas nos convidam a realizar esse diálogo ao nos depararmos com as dualidades apresentadas nas teias de suas aranhas.

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Sobre a autora:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.