T de Tesoura

Já imaginou fazer uma obra de uma grande artista, a qualquer momento, em qualquer lugar? Trabalho que só existe com a participação do público, que se converte em participador ativo. Aqui, a ação é a obra.

A arte nos convida a um encontro que abre possibilidades e pensamentos a partir do que nos é apresentado e do que temos dentro de nós. Para expandir esse horizonte, estamos criando um glossário de A-Z de objetos poéticos nas artes visuais, a partir de uma curadoria de artistas e obras no contexto atual.  

Bora falar de arte?

Foto: Daniela Parampal.

Na postagem anterior, conversamos sobre a letra “S” e conhecemos a obra Sapatos de Açúcar, do artista Tiago Sant’Ana, que levanta questões sobre o Brasil colonial e atual.

Hoje vamos com a letra “T”, e o objeto escolhido é a tesoura.

Tesoura

Duas lâminas em sentidos opostos que, quando se aproximam, cortam o que estiver no meio delas; de fácil encaixe nas mãos e de vários tamanhos. A tesoura é objeto simples, que acompanha a gente em vários momentos do cotidiano: cortando um papel, uma embalagem, as unhas, o cabelo ou um tecido para fazer nossa roupa. São muitas as utilidades dela e não imaginamos mais o mundo sem esse objeto.

As primeiras tesouras foram encontradas em resquícios arqueológicos do Antigo Egito e têm mais de três mil anos. Hoje elas são bem diferentes e mais populares que aquelas, com tamanhos e funções distintas.

Foto: Daniela Parampal.

Lygia Clark

Lygia Clark é dessas artistas que podemos dizer que mudou o rumo das artes. Ela nasceu em Belo Horizonte em 1920 e, se estivesse viva, estaria completando 100 anos de idade. Lygia iniciou seu trabalho nas artes visuais como pintora. Interessava a ela a superfície do quadro e as relações dele com o espaço externo. Aos poucos, suas pinturas se descolaram da parede, apresentando dobras e se tornando tridimensionais.

Em 1960, ela cria a escultura Bicho. Feita de placas metálicas unidas com dobradiças maleáveis, esses objetos poderiam ser movimentados pelo espectador, que decidia como ficaria a obra. O Bicho só existia de fato quando era manipulado, e esse foi o grande passo que transformou a compreensão de arte, pois agora o espectador não estava mais passivo, somente admirando a obra, ele era parte dela. O espectador se tornou participador.

A pesquisa de Lygia seguiu até os anos 1980 e, cada vez mais, seus trabalhos foram se tornando proposições, deixando sua arte mais voltada para a experiência do que para o objeto em si. A obra passa a existir quando há a experiência.

Foto: Daniela Parampal.

Caminhando (1964)

Na obra Caminhando, de 1964, Lygia dissolve o objeto artístico e torna o ato de cortar uma tira de papel a própria obra de arte, podendo ser feita por qualquer pessoa, a qualquer momento. A tesoura vai percorrendo a superfície do papel e, nesse movimento, sujeito e objeto se unem em um corpo único, colocando a produção artística em um local até então nunca experimentado. A obra perde a aura de objeto a ser contemplado e passa a ser o ato realizado pelo participador, já o artista se converte em propositor.

Caminhando é feito da seguinte maneira: você pega uma tira de papel comprida e cola as pontas, torcendo uma delas (como na ilustração abaixo). Observe que essa fita passa a ter somente uma face, sendo conhecida pelo nome fita de moebius. Depois disso, pegue a tesoura e faça um buraco no meio dessa fita, coloque a tesoura nele e inicie o caminho no sentido do comprimento da fita. Vá cortando e, quando encontrar o início do corte, escolha qual direção seguir: direita ou esquerda. Esse caminho que a tesoura percorre requer atenção e entrega de quem o faz.

Ilustração explicativa

Lygia Clark desenvolveu uma série de objetos – que chamou de objetos relacionais – usando materiais cotidianos, como: plástico, pedra, tecido, rede, luva… Com eles, o participador vivenciava diferentes percepções e sensações. Esse trabalho era feito individualmente ou em pequenos grupos. Lygia costumava dizer que se a pessoa que viveu suas proposições passasse a viver de uma forma mais livre, explorando mais os sentidos do seu corpo, amando e expressando-se melhor, isso a interessava muito mais como resultado do que a própria coisa que propunha.

Foto: Daniela Parampal.

Você conhece algum outro artista que também usou tesoura em suas obras? Pensou em outro objeto com a letra “T”? Conte-nos por meio das mídias sociais, usando as hashtags #borafalardearte e #educativofcs.

Na próxima publicação, vamos conversar sobre um objeto com a letra “U” e refletir sobre nossa relação com ele, além de conhecer uma artista que trabalha com ele. O nosso convite continua aberto, bora falar de arte? Lembre-se de acompanhar as mídias sociais da Fundação Clóvis Salgado para se manter atualizado sobre a arte contemporânea!

Para curiosos:

Em 2012, o Itaú Cultural realizou uma grande exposição retrospectiva da artista Lygia Clark. Nesta playlist podemos ver algumas proposições da artista sendo executadas durante a exposição.

Leia o conteúdo anterior: Bora falar de arte? S de Sapato

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Foto: Daniela Parampal.

Sobre as autoras:

Clarissa d’Errico é técnica em Comunicação Visual, bacharel e licenciada em Artes Visuais e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.

Daniela Parampal é bacharel e licenciada em Artes Visuais, artista visual, professora e mediadora cultural na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.