Yara Tupynambá, a memória afetiva e as lembranças

Palavras-chave: Memória Afetiva. 

Memória

Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão

Mas as coisas findas

muito mais que lindas,

essas ficarão.

(Carlos Drummond de Andrade)

Falar sobre memória nos leva aos campos mais profundos da nossa identidade construída ao longo de anos de nossa existência. Poeticamente, Drummond nos insere dentro de sua percepção de mundo, ao nos dizer sobre o que é tangível e sensível e o que carregamos na palma de nossa mão. Ousaremos dizer que não somente em nossas mãos, mas na memória afetiva que trazemos em nosso peito. Entre as coisas findas e lindas que ficaram latentes em nós, construímos nossa identidade: o cheiro da chuva fina batendo no chão de terra; o aroma do café suave preenchendo o espaço da casa; o fazer da Garapa, como na obra de Michelle Mayrink (Figura 1); as risadas longas dos causos antigos em lua cheia; o ser guerreiro, mineiro, cafuzo, ligeiro que rompe as matas das gerais, que canta e encanta por meio de sua memória, sua hospitalidade. Falar de Minas é preencher o espaço com a essência daqueles que não se encontram entre as montanhas, mas que fizeram destas paragens a felicidade eternizada em poesia, arte e sons. As obras contempladas nesse acervo de memórias são caras e preciosas aos nossos artistas, que compartilham de identidades, cheiros, gostos, afetos, toques, experiências que encantam o nosso ser e nos proporcionam remexer em nosso mais profundo âmago, fazendo-nos perceber que o intangível é parte concreta do que é ser humano. 

Figura 1: Michelle Mayrink (2021). Fotografia digital.

O historiador Jacques Le Goff (1990) nos diz que a memória, elemento essencial para o que chamamos de identidade individual ou coletiva, é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades contemporâneas. E na antropologia, para Joel Candau (2011), a memória se parece com um arquivo, o qual possui várias gavetas nas quais estão armazenados conjuntos de lembranças. A obra “Memórias de uma infância” (Figura 2), de Lipi Dama, nos remete a essa ideia. Nela, a artista retrata a si mesma revisitando imagens de seu passado, reproduzindo uma cena cotidiana que muitos de nós vivemos diariamente, o ato de olhar saudosamente para de fotos de família e para a própria infância, uma apreciação pessoal do seu próprio arquivo.

Figura 2: Lipi Dama (2021). Fotografia digital.

Dentro desse contexto, é possível dizer sobre a afetividade na memória. Carregamos desde a primeira infância processos profundos que irão nos formar como seres sociais. A memória afetiva dos laços que desenvolvemos no decorrer da nossa construção intelectual, social, cultural e afetiva será um fator primordial no desenvolvimento da vida adulta. Assim, é importante ressaltar que as obras dessa exposição irão nos levar diretamente à nossa própria memória através do olhar desses artistas que compartilham conosco seus trabalhos. É o que podemos sentir nas obras de Lidia Nicole (Figura 3) e Livia Lopes (Figura 4). As artistas nos levam ao isolamento e ao mesmo tempo a um transbordamento de emoções, grandes conflitos internos de quando nos encontramos em sociedade, registrando em nós distorções entre a euforia e a solidão. 

Figura 3: Lidia Nicole (2021). Fotografia digital.

Figura 4: Lívia Lopes (2020). Fotografia analógica.

Ainda pensando na memória afetiva, lembramos de Yara Tupynambá, artista mineira que, ao completar 70 anos de carreira em 2021, celebrados como homenageada da CHAMA, é uma personificação do que é a memória do estado de Minas Gerais, não só por ser uma voz relevante na história da arte contemporânea mineira, mas também pelo fato de que a “mineiridade” está presente de forma expressiva no seu trabalho, seja em paisagens representando a flora local, seja por meio do uso de signos típicos em composições em que retrata o folclore e a religiosidade do estado.

Eu me julgo uma mulher múltipla porque eu vivi no interior, mas eu vivi também no mundo. Então para mim o mundo é bastante conhecido, Europa, Ásia, em tudo isso eu já estive, em muitos lugares do mundo: morei na América, morei em Nova York. Mas […] a minha grande identidade é com a terra de Minas. Tudo aqui me interessa! […] É como se meu trabalho fosse uma única coisa que pode ser chamada de Minas Gerais. (TUPYNAMBÁ, Yara, 2017).

Referências

BANCO DO BRASIL. Yara Tupynambá: Ouro de Minas, YouTube, 12 de agosto de 2021. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Ub-EFwFYqho>. Acessado em 25/09/2021

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 52. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Irene Ferreira, Bernardo Leitão e Suzana Ferreira . Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1990.

Natureza inspira trabalho da artista mineira Yara Tupynambá, programa Terra de Minas, Rede Globo, 11 de março de 2017. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/5715202/>.Acessado em 25/09/2021

Sobre as autoras

Gabriella Diniz Mansur – Licenciada em Pedagogia e História. Especialista em Gestão e Análise do Patrimônio Cultural. Historiadora no APCBH/FMC e estudante do curso de Curadoria na Escola de Artes Visuais do Cefart | FCS.

Luly Lage – Bacharela em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, especialista em Ensino de Artes, escritora, educadora de arte feminina, blogueira e estudante do curso de Curadoria na Escola de Artes Visuais do Cefart | FCS.

Tatiana Palhano – Licenciada em Artes Visuais e Música. Especialista em Educação Ambiental e História da Arte. Professora de Arte, Música e História da Arte e estudante do curso de Curadoria na Escola de Artes Visuais do Cefart | FCS.