Em julho, o Cine Humberto Mauro traz de volta ao cinema uma seleção de filmes que convida o público a entrar em um território onde o olhar é sempre interrogativo e a narrativa se organiza como um labirinto. Cada plano torna-se pista. Cada corte pode revelar uma armadilha. Cada rosto, uma promessa de revelação.
Desde que os primeiros feixes de luz atravessaram o escuro das salas de projeção, a arte cinematográfica se enredou no fascínio pela narrativa, e logo as histórias de mistério passaram a ser contadas pelos cineastas. Ora, pode-se dizer que o cinema encontrou na investigação um espelho de sua própria linguagem: ver, ouvir, rever, ocultar, montar, revelar. Para alguns, os registros em imagem, por si só, já contêm algo de investigativo. Há sempre um rastro deixado nas imagens.
Nesse prisma, surge a mostra “Nos Rastros da Imagem: Filmes de Detetive”, que propõe um percurso através de filmes que marcaram e reformularam a tradição do cinema investigativo.
Talvez o primeiro a intuir essa íntima ligação entre imagem e investigação tenha sido Buster Keaton, em “Sherlock Jr.” (1924). Nele, o detetive literaliza o desejo de entrar na cena: atravessa a tela e mergulha num mundo regido pelas leis do cinema. O detetive, nesse universo cômico e onírico, não apenas persegue um mistério — ele persegue a imagem, entra nela, torna-se parte de sua lógica, de seu fascínio. Keaton antecipa, com humor, uma tensão central do cinema moderno e clássico: a relação entre a imagem e a verdade.
Em “Um Copo Que Cai” (1958), de Alfred Hitchcock, o olhar detetivesco torna-se obsessivo, voyeurístico; a investigação se transforma em uma armadilha do desejo. O detetive, que persegue um enigma pode, na verdade, ser tragado por ele. Trata-se de um filme que remonta, por sua vez, o cinema noir dos anos 1940, um cinema marcado pelo enredo detetivesco, pelas sombras que cobrem as histórias contadas e a visualidade das imagens filmadas. Em filmes como “Relíquia Macabra” (1941), de John Huston, e “À Beira do Abismo” (1946), de Howard Hawks, os enigmas são labirínticos, os relatos contraditórios, os rostos, mascarados. A cidade e a noite são um palco.
Nas últimas décadas do século XX, e especialmente com a emergência do cinema de gênero híbrido, a figura do investigador se insere em um mundo onde os limites entre a psicologia, o crime e a cultura midiática se embaralham. “O Silêncio dos Inocentes” (1991) representa um marco nesse sentido: a investigação criminal não é apenas um percurso racional, mas uma imersão em abismos subjetivos e pulsões violentas.
Esses são apenas alguns dos filmes que serão exibidos na mostra, que também irá contar com uma programação virtual, com filmes disponibilizados no Cine Humberto Mauro Mais, e com sessões comentadas, que irão investigar as investigações da sétima arte. “Nos Rastros da Imagem” apresenta obras que refletem sobre o próprio ato de ver, investigar e narrar; esse gesto de tocar a beira do abismo com os olhos abertos, confiando que a imagem — essa coisa instável, feita de luz e ausência — nos devolva algo mais do que silêncio. Talvez nenhum desses filmes nos apresente respostas definitivas, mas perguntas cada vez mais precisas e, claro, histórias que nos deixam fascinados.