P de Pano

Um espaço amplo, sem paredes, com grandes janelas e um jardim. No chão, esculturas com troncos e panos retorcidos. Cores e texturas caminham no espaço de dentro e de fora, escorrem do teto.

Caminho livremente nesse lugar.   

A arte nos convida a refletir e a questionar. E para abrir mais possibilidades e pensar sobre o assunto, estamos criando um glossário de A-Z de objetos poéticos nas artes visuais, realizando uma curadoria de artistas e obras no contexto atual.

Bora falar de arte?

Foto: Carolina Nocchi.

Na postagem anterior, conversamos sobre a letra “O” de ouro e conhecemos um pouco da pesquisa da artista Élle de Bernardini e de sua performance Dance with me em que ela cobre sua pele com folhas de ouro e convida os espectadores a dançarem, transferindo um pouco do ouro nos corpos e espalhando pela galeria.

Agora vamos com a letra “P” e o objeto escolhido é o pano.   

Pano

Pano que coa o café, que cobre a mesa, que enxuga a louça e limpa o chão. É um pano dando um recado na janela, ou é o lençol secando? Os panos estão com a gente o tempo todo, fazem as roupas e as nossas máscaras, item de proteção necessário nos novos tempos.

Esses panos se impregnam de histórias quanto mais usados, tomam as formas dos corpos que cobrem e se desfazem com o tempo. Observe quantos tipos e funções de panos diferentes passam por você ao longo de um dia.

Sônia Gomes

Sônia Gomes é artista visual, nascida em Minas Gerais, e desenvolve seu trabalho a partir de materiais já existentes no mundo. Essas materialidades são provenientes de outros contextos e, na maioria das vezes, foram doadas a ela. Sônia conta que esses materiais chegam ao seu ateliê pedindo socorro, para que sigam a “vida” existindo em outros corpos. A partir dessa percepção, ela une as materialidades e histórias formando, assim, o seu trabalho.

Sua produção iniciou de forma despercebida, refazendo suas próprias roupas e bijuterias. Ela conta que não gostava das coisas prontas nem iguais, por isso criava modificações, acrescentando ou tirando algo. Seu corpo era o suporte. Outras referências importantes foram a arte e o artesanato africano, com suas amarrações, nós, cores, tecidos e formas próprias.

Sônia cria estruturas tridimensionais com as materialidades doadas. São roupas, rendas, gaiolas, botões, arames, galhos, cordas… Os diferentes tipos de panos dão a liga e se unem a outros materiais: são enrolados, recebem nós, costuras e dobras. Ela conta que se interessa pelas coisas que já foram usadas, que ficaram com as marcas dessas passagens. O movimento que tem o pano que serviu por anos de camisa é mais interessante que o pano novo e, para a artista, lembra uma dança. O movimento dos corpos é presente em seus trabalhos.

Foto: Carolina Nocchi.

Ainda assim me levanto (2018)

Ainda assim me levanto foi uma exposição realizada em 2018 no MASP (Museu de arte de São Paulo), na qual a artista ocupou um dos espaços expositivos e o jardim externo. A galeria em que as obras foram apresentadas é envolvida por vidros transparentes e, através deles, é possível ver o lado de fora onde está o jardim. Pensando em trazer o que estava fora para dentro e o que estava dentro para fora, Sônia fez questão de não cobrir as janelas de vidro e construiu um diálogo entre esses dois lugares.  Assim, ela criou um site specific, termo usado para designar uma obra de arte criada especialmente para determinado local e que se utiliza das especificidades dele. 

As obras criadas especialmente para essa exposição estavam dispostas pelo chão e penduradas no teto, e formavam uma instalação onde o espectador podia caminhar livremente. A opção foi não usar paredes ou bases para apoiar as obras, que além dos tradicionais panos coloridos incorporados pela artista, eram compostas por troncos de árvores. As estruturas apresentavam questões ligadas ao equilíbrio e à sustentação.  O jardim externo também contou com outras obras da artista, que se misturaram pelas plantas e era possível avistar de dentro da exposição, como se o jardim fizesse parte dela.

Você pode saber mais sobre Ainda assim me levanto clicando aqui para ver um vídeo em que a própria artista conta detalhes da exposição.

É importante destacar que, em 2018, Sônia Gomes foi a primeira artista negra viva a expor no MASP.  

Foto: Carolina Nocchi.

Sônia se diz uma colecionadora de afetos; muitas pessoas a procuram para lhe doar variedades de coisas, pois têm afeição, mas não as usam e não querem descartá-las. Nas mãos de Sônia, os tempos e as histórias se misturam e se tornam uma outra coisa que carrega aquilo que já foi, porém que é única. É comum observadores de sua obra encontrarem elementos que ressoam com as suas memórias e se identificarem.

Você conhece algum outro artista que também usou panos em suas obras? Pensou em outro objeto com a letra “P”? Conte para nós por meio das mídias sociais usando as hashtags #borafalardearte e #educativofcs, e também @fcs.palaciodasartes no Instagram.

Na próxima publicação, vamos conversar sobre um objeto com a letra “Q” e refletir sobre nossa relação com esse objeto, além de conhecer um artista que trabalhe com ele. O nosso convite continua aberto, bora falar de arte? Lembre-se de acompanhar as mídias sociais da Fundação Clóvis Salgado para se manter atualizado sobre a arte contemporânea!

Para curiosos:

Leia o conteúdo anterior, Bora falar de arte? O de Ouro

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Ilustração: Daniela Parampal

Sobre as autoras:

Clarissa d’Errico é técnica em Comunicação Visual, bacharel e licenciada em Artes Visuais e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.

Daniela Parampal é bacharel e licenciada em Artes Visuais, artista visual, professora e mediadora cultural na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.