Uma travessia pelo cinema que pensa o medo, a infância, a morte e a redenção.
Há escritores que buscam descrever algo do mundo; outros o reorganizam em palavras. Stephen King o reconstrói a partir de suas rachaduras. Do medo primal à ternura inesperada, da violência física ao silêncio moral, sua obra é um longo corredor onde portas se abrem para lugares sombrios e, por vezes, para recantos estranhamente esperançosos.
A mostra STEPHEN KING: DO TERROR AO DRAMA reúne filmes que, embora nascidos de um mesmo manancial literário, percorrem caminhos cinematográficos muito distintos.
King é aquele que escreveu O Corpo, por exemplo, adaptado para o cinema como Conta Comigo (1986), onde quatro garotos partem em busca de um cadáver e acabam encontrando o fim da infância. Já em It – A Coisa (2017), o terror é evidente e ganha uma forma monstruosa, que se esconde nos subterrâneos de Derry, mas é alimentado por algo mais real: o medo que cresce com as crianças e permanece nelas, adultas, como uma sombra persistente. Pennywise não é apenas um palhaço — é o trauma reencarnado, o passado que volta, sempre sorrindo.
Em Um Sonho de Liberdade (1994), outro desvio essencial se dá: a prisão, em vez de palco para a violência pura, torna-se espaço de resistência e imaginação. Andy Dufresne cava o chão não apenas para escapar do cárcere, mas para manter vivo um fio de humanidade num mundo corroído.
Filmes como Cujo (1983) e Cemitério Maldito (1989) tensionam esse espectro: o primeiro, com sua claustrofobia ensolarada, transforma um cão em máquina de destruição, e a culpa em combustível narrativo. O segundo, talvez um dos mais perturbadores do universo kinguiano, confronta o tabu definitivo — a morte de uma criança — e o desejo impossível de reversão. O horror, aqui, não é o retorno dos mortos, mas o impulso que nos leva a profanar o natural em nome do amor.
Essa mostra, portanto, não é uma homenagem nem uma catalogação. É uma travessia. Um convite para observar como o cinema se contamina ao tocar a literatura de King — não apenas nos temas, mas na atmosfera, na ambiguidade moral, na sugestão de que o extraordinário está sempre à espreita do cotidiano.
Stephen King não escreve sobre monstros. Escreve sobre o que resta quando as máscaras caem. Sobre famílias frágeis, cidades podres, amigos inseparáveis e sistemas que moem almas. Seus contos e romances são espelhos rachados que devolvem imagens deformadas, mas dolorosamente reconhecíveis. E é esse espelho que o cinema — em seus melhores momentos — também consegue empunhar.
Integram a programação: duas sessões comentadas, destinadas a promover um aprofundamento na temática da mostra.
Abertura especial com adaptações literárias, do clássico ao contemporâneo.