Itinerância da 34ª Bienal de São Paulo: faz escuro, mas eu canto

Desde 2011, a Fundação Clóvis Salgado e a Fundação Bienal possuem uma parceria para a realização da itinerância das Bienais de São Paulo em Belo Horizonte. Nos anos subsequentes à mostra paulistana, seguem-se recortes da exposição em diversas cidades. Em Belo Horizonte, a exposição está dividida em eixos temáticos que facilitam ao espectador desenvolver reflexões possíveis diante das mensagens apresentadas pelos artistas por meio de suas obras. Organizado a partir de três enunciados – O sino de Ouro Preto, Os retratos de Frederick Douglass e A ronda da morte de Hélio Oiticica – as exposições contam com trabalhos dos seguintes artistas: Ana Adamovic, Andrea Fraser, Anna-Bella Papp, Arjan Martins, Clara Ianni, Daiara Tukano, Daniel de Paula, Eleonore Koch, Jaider Esbell, Lothar Baumgarten, Lydia Ourahmane, Neo Muyanga, Nina Beier, Noa Eshkol, Paulo Kapela, Regina Silveira, Sebastián Calfuqueo e Tony Cokes.

A Bienal tem construído um papel relevante para a educação e para a cidadania ao apresentar temas pertinentes à diversidade cultural dando visibilidade aos povos, seus conflitos, suas raízes, sua expressão, suas lutas e suas conquistas no âmbito social e artístico, além de proporcionar um contato com linguagens contemporâneas que exploram múltiplas materialidades.

Este ano, a itinerância nos coloca diante de questões como as consequências de processos de colonização e regimes ditatoriais que afetam gerações e que permanecem em constante debate, reconstruindo costumes, valores e condutas e “nos realinhando” à medida que tomamos ciência de acontecimentos históricos muitas vezes dolorosos. A itinerância também nos oferta um reflexo da vida contemporânea ao nos colocar diante de uma profusão de informações e ressignificações por meio da virtualidade e do compartilhamento de imagens.

“Tapete de parede”, Noa Eshkol, 1973. Foto: Isa Carolina  
“Circulação”, Daniel de Paula, 2019. Foto: Isa Carolina

A mostra conta com obras muito distintas, mas que acabam dialogando entre si pelas narrativas propostas. Como fez Marcel Duchamp com seus ready-mades no século XX, podemos ver, por exemplo, o deslocamento de objetos de suas reais funções em obras como “Educação pela noite” de Clara Ianni, que joga com nossa percepção ao utilizar um material pedagógico de matemática para deturpar, confundir e abstrair as formas em projeções. Em “Plug” de Nina Beier, o deslocamento se faz ao vermos um monte de pias de porcelana unidas a charutos que evocam novas significações. Outros conceitos surgem ao longo da exposição, como em “Circulação” de Daniel de Paula, que exibe uma edição de vídeos de inspeção e vigilância de empresas em uma instalação que sugere uma construção reta, sem ornamentação, meramente funcional, semelhante a uma fachada de fábrica, como se o movimento da vida moderna ali estivesse preso. É possível analisar – a partir desse trabalho – o quanto câmeras de vigilância que parecem inofensivas e invisíveis ao movimento das ruas se misturam à paisagem e monitoram ações cotidianas. Já os belos “Tapetes de parede” de Noa Eshkol nasceram de uma linguagem mais artesanal. Dançarina e professora, a artista os criou apenas com materiais reutilizados e desenvolveu um trabalho manual coletivo com a participação de seus dançarinos.

Visitar a itinerância da 34ª Bienal é estar em contato com perspectivas poéticas pessoais dos artistas e suas relações com fatos históricos contextualizados e subjetividades. E é a partir dessas subjetividades que o espectador pode criar relações com o fluxo da vida.

Sobre os autores:

Isa Carolina é especialista em História da Arte, mediadora cultural e professora na Escola de Artes Visuais do Cefart – FCS.