Ópera “Devoção” tem pré-estreia lotada e emocionante em Congonhas; história de um imigrante português e sua jornada de fé nas Minas Gerais do século XVIII agora terá temporada no Palácio das Artes

publicado em 15 de julho 2024

Um milagre chamado trabalho. “Quando se rega um sonho com fé, Deus abençoa a colheita”, esse poderia ser o resumo, não só da história contada pela ópera “Devoção”, mas de sua própria produção.

Foto: Márcia Charnizon

Após meses de muito trabalho, mais de 600 técnicos e artistas envolvidos e grande expectativa, finalmente a pré-estreia de “Devoção”, na cidade de Congonhas, onde, no século XVIII se desenrola a trama original, misto de uma lenda milenar e uma história real secular sobre as origens da devoção ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

A apresentação, estrategicamente, teve início no pôr do sol, atingindo seu ápice com as luzes e cores de uma noite de clima agradável, ou seja, mais uma benção.

Foto: Márcia Charnizon

O tributo à alma de Minas Gerais aconteceu no sábado (13/7), no adro e escadarias do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, e foi acompanhada por centenas de pessoas reunidas em frente à igreja, nas casas, janelas e sacadas ao redor. No interior do monumento, a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, interpretando a partitura composta por João Guilherme Ripper, sob regência da maestra e diretora musical Ligia Amadio. Já no adro e nos degraus da Basílica, os solistas convidados, os integrantes do Coral Lírico de Minas Gerais e do Coral Cidade dos Profetas e os bailarinos da Cia de Dança Palácio das Artes, todos sob direção cênica de Ronaldo Zero.

A ópera em dois atos foi encomendada pela Fundação Clóvis Salgado (FCS), e tem libreto assinado por André Cardoso. “Devoção” é a 95ª produção operística da instituição, e abre a temporada 2024. Inspirada em fatos históricos, a trama segue Feliciano Mendes, um homem simples, corajoso e devoto, que, no século XVIII, deixando seu pobre Norte de Portugal, atravessou o Atlântico e chegou a Minas em plena corrida do ouro. Enriquecido com o metal precioso e, por consequência, acometido de grave doença, Feliciano fez uma promessa: se curado, construiria uma igreja em Congonhas, o atual Santuário do Bom Jesus de Matosinhos – “Patrimônio Cultural da Humanidade”, pela UNESCO.

Com cerca de 230 figurinos e 500 adereços, a pré-estreia impressionou o público por se apropriar narrativamente da majestosa paisagem do patrimônio e por iluminar a igreja e seu entorno de uma forma nunca vista. Marcilene Ferreira, professora particular em Congonhas, se disse encantada com a apresentação. “Isso faz parte da nossa história, da memória de Congonhas; é fundamental que esse passado seja conhecido por nós, mas também por quem não é daqui. Adorei a união do Feliciano e [de sua esposa] Mercês, foi um trabalho magnífico dos cantores e de todos os outros artistas envolvidos. Fiquei especialmente emocionada com a percussão e com esse resgate do congado. Isso fala muito do sincretismo da nossa religiosidade, e da própria tradição mineira”, ressalta.

Foto: Retrato3 Estúdio

Marília Ananias e Antônio Carlos Monteiro vieram de Barbacena. O casal ficou hipnotizado com a primeira ópera, aquela que nunca se esquece. Marília sequer conhecia Congonhas e resumiu bem a experiência: “Emocionante, não tirei os olhos. E que cenário!”.  O casal também é a prova acabada de como a Cultura contribui para a Economia da cidade. Os dois, a exemplo de outros, certamente jantaram, compraram lembranças e ocuparam hotéis e pousadas.

A grande produção da Fundação Clóvis Salgado chega agora a Belo Horizonte, com récitas nos dias 19, 20, 22 e 23 de julho, às 20h, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes. Os ingressos já estão à venda, nos valores de R$60,00 a inteira e R$30,00 a meia-entrada, disponíveis na bilheteria do Palácio das Artes e na plataforma Eventim.

A funcionária pública Raquel Santos, que mora em Congonhas e acompanhou a pré-estreia, assegura que vai convidar todos que conhece para assistirem à ópera também em Belo Horizonte. “Sendo de Congonhas, foi muito especial, para mim, testemunhar essa produção nesse cenário maravilhoso. A história de Feliciano e de sua devoção ao Bom Jesus reafirmam a fé de Congonhas, e isso foi o que mais me emocionou, o quanto a ópera fala muito sobre gratidão. Foi um marco para a cidade. Eu só tenho a agradecer, e vou fazer o possível para que mais pessoas descubram essa história agora nas apresentações em Belo Horizonte, e que essa jornada ganhe o mundo”, espera.

Ao fim da apresentação, a impressão de que alguns profetas de Aleijadinho baixaram, outros levantaram e todos juntaram as mãos em pedra-sabão, aplaudindo “Devoção”. Mas foi apenas uma impressão. Ou não? Afinal, a profecia da comunhão, entre o divino e o humano, concretizou-se.  Os deuses, mesmo os de granito, sorriram para sua melhor criação, o homem.