Vale do Jequitinhonha: as preciosidades de Minas

Yara Tupinambá, Meninos de Berilo – fase Vale do Jequitinhonha, Desenho – pastel a óleo sobre cartão, 70 x 90 cm, Acervo da Fundação Clóvis Salgado.

“Meninos de Berilo – fase Vale do Jequitinhonha”, obra sem data de Yara Tupynambá, pertencente ao acervo da Fundação Clóvis Salgado é um desenho que utiliza a técnica do pastel a óleo sobre o cartão (semelhante à do pastel a seco utilizada por Leonardo Da Vinci, diferenciando-se apenas pelo óleo, que o próprio Da Vinci dizia ser uma técnica que dava elegância à pintura) e que traduz as nuances das cores e tons presentes na obra da artista. Uma pintura que revela toda a expressão poética da artista e o que há de mais rico nela, as paisagens naturais com suas plantas, matas, montanhas, as construções, o povo e sua arte. Berilo, nome que compõe o título da obra, é uma cidade do Vale do Jequitinhonha cuja origem se deve a uma pedra preciosa chamada berilo, encontrada em grande abundância nessa região historicamente reconhecida pela exploração de minas de ouro e pela diversidade étnica de portugueses, africanos e indígenas que habitam o local.

Numa composição repleta de detalhes e que nos levam a um passeio pela diversidade do Vale do Jequitinhonha, destacamos, na parte central, em primeiro plano, duas meninas e um menino negros bem característicos da diversidade étnica da região, os Meninos de Berilo, inseridos na obra como se estivessem num quadro. As pessoas representadas no quadro foram pintadas de frente, do joelho até a cabeça. A primeira menina aparece com o rosto virado para a esquerda, com um olhar sem direção definida e de braços cruzados, trajando uma saia longa azul com pintas pretas e uma blusa vermelha de alças revelando um pouco do seu abdômen próximo ao umbigo. A segunda menina, aparentemente mais velha, posicionada no meio, com rosto virado em sentido oposto ao da primeira menina, está com a mão direita no ombro esquerdo, usando vestido com decote canoa na cor azul com estampa de flores, verde na parte de baixo. Ao seu lado, um menino olhando para baixo, de braços cruzados, usa calça marrom e blusa vermelha de mangas curtas.

 Ao fundo da imagem de “Meninos de Berilo – fase Vale do Jequitinhonha”, árvores secas típicas do cerrado da região do Vale do Jequitinhonha, contrastando com tons de azul e amarelo, e caminhos de mesa feitos pelos artesãos do Vale, percorrem a obra e perpassam pelas costas dos meninos em toda extensão do quadro; no canto inferior direito, há detalhes das casinhas de pau a pique típicas da região simples do Vale.

Em segundo plano, na parte superior do quadro a artista representa montanhas que vão dos tons terrosos ao verde da vegetação da região, emoldurados por uma variação de tons azuis, além de uma típica casinha com o forno de barro na parte externa (aparentemente isolada de tudo) e de algumas árvores secas ao fundo. Nesse mesmo plano, a artista insere na obra vasos de cerâmicas com detalhes de flores e uma tampa no formato de pássaro; na parte superior, acima das pessoas, há um vaso com flores e folhagens em uma bancada de madeira com a inscrição “Berilo”, objetos aparentemente pessoais e que revelam seu afeto pela cultura da região, tão vivos e presentes em sua memória. 

Embora sem data, a obra de Yara Tupynambá foi concebida possivelmente na década de 1980, ano em que ela e outros artistas, a convite da Comissão de Desenvolvimento do Vale do Jequitinhonha (CODEVALE – criada em 1964 com o objetivo de desenvolver economicamente a região reconhecida como uma das mais carentes e subdesenvolvidas do estado de Minas Gerais), fazem uma incursão pelo Vale do Jequitinhonha para conhecer o local e os trabalhos de cerâmica que eram feitos por seus moradores. Em meio a essa região de grande diversidade (seja do ponto de vista econômico, seja pela variedade de seu bioma, que vai desde a mata atlântica, à caatinga e ao cerrado), Yara Tupynambá começa a construir sua história com o Vale do Jequitinhonha, tornando tudo que faz parte do lugar tema para suas obras, o que é tão bem representado nessa obra “Meninos de Berilo – fase Vale do Jequitinhonha”, por meio da representação de seu povo, artesanato, edificações típicas e da natureza da região.

Falar da obra de Yara Tupynambá é percorrer os caminhos empoeirados do Vale, é não se intimidar pelas distâncias, é adentrar por seus biomas desbravando sua natureza tão peculiar, é se encantar pelos símbolos e traços presentes na arte produzida pelas mãos dos artistas locais, que resgatam antigos costumes, tornando essa região (economicamente desprovida e cheia de adversidades) uma região culturalmente abundante. Enfim, é se encantar pelas cores contrastantes que dão vida e riqueza a essa obra e entender que a maior preciosidade presente nela é a simplicidade e a sabedoria do povo retratado em sua arte, suas memórias, suas lutas e na esperança de dias melhores.

Referências

Textos

HEDGECOE, John. O novo manual de fotografia: guia completo para todos os formatos/John Hedgecoe. Tradução de Assef Nagib Kfouri e Alexandre Roberto de Carvalho. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005. p. 176-205.

NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel. Vale do Jequitinhonha: Cultura e Desenvolvimento. Belo Horizonte: UFMG/PROEX, 2012. p. 190. Disponível em: <https://issuu.com/polojequitinhonhaufmg2/docs/vale_do_jequitinhonha_cultura_e_des>. Acesso em: 27 nov. 2021.

SOUZA, Valdir Alves de; HENRIQUES, Márcio Simeone. Vale do Jequitinhonha: formação histórica, populações e movimentos. Belo Horizonte: UFMG/PROEX, 2010. p. 268. Disponível em: <https://issuu.com/mteles13/docs/vale_jequitinhonha>. Acesso 05 out. 2021.

Vídeos

GLOBO HORIZONTE. Conversa com Yara Tupynambá. Publicado pelo Globoplay. Exibido em 13 de outubro de 2013. Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/2885740/?s=0s>. Acesso em: 03 out. 2021.

CCBBBH. Yara Tupynambá – O Ouro de Minas. Publicado por Banco do Brasil em 12 de Ago. de 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ub-EFwFYqho> Acesso em: 05 out. 2021.

DOCUMENTÁRIO Vale do Jequitinhonha. Publicado por O Grande Norte canal, 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=R5ccmyZZmKc>. Acesso em: 27 set. 2021.

Sobre os autores

Gabriella Diniz Mansur – Licenciada em Pedagogia e História. Especialista em Gestão e Análise do Patrimônio Cultural. Historiadora no APCBH/FMC e estudante do curso de Curadoria na Escola de Artes Visuais do Cefart | FCS.

Lipi Dama é artista visual, graduanda em Museologia pela UFMG e estudante da Escola de Artes Visuais do Cefart | FCS.

Júnior Garcia é fotógrafo e atualmente é aluno do Curso Básico de Curadoria da Escola de Artes Visuais do Cefart | FCS.