11º Cinecipó – Festival do Filme Insurgente

31/10/23 - 05/11/23

Cine Humberto Mauro

Entre os dias 31 de outubro e 5 de novembro, acontece a 11ª edição do Cinecipó – Festival do Filme Insurgente, no Cine Humberto Mauro, em Belo Horizonte. Serão exibidos cerca de 50 filmes, entre eles 44 curtas e seis longas-metragens. São filmes de diversas regiões brasileiras e de países como Alemanha, Argentina, Áustria, Eslovênia, França, Estados Unidos e Suécia que abordam temáticas diversificadas como étnicos-raciais, gênero, feministas, ambientalistas, ocupações rurais e urbanas, políticas, entre outras. Este ano, além dos curadores Luiz Pretti, Marcela Lins e Luís Flores, a mostra conta com curadores-assistentes como Aline Mendes Pereira, Nina Machado, Renan Eduardo, Sabrina Garcia e Tainá Lima.

 

 

ACESSE AQUI A PROGRAMAÇÃO COMPLETA

 

 

Segundo o coordenador e idealizador do Cinecipó, Cardes Amâncio, após a pandemia, o festival retomou as atividades presenciais realizando sessões e oficinas em Belo Horizonte, Serra do Cipó, Morro do Pilar e Jaboticatubas e a 11ª edição vai se reencontrar com o público de BH no Cine Humberto Mauro, um dos cinemas mais tradicionais e importantes do Brasil. “E é no escuro dos cinemas, como dizia Godard, que se queima o imaginário para aquecer o real. Meses de trabalho antecederam o momento de projetar as obras, assistir junto e conversar sobre os títulos. Em breve será lançado o catálogo do festival com textos sobre boa parte dos filmes exibidos. Está em fase de diagramação o livro ‘Cinema: devir e reconhecimento’, com 13 capítulos de autores de várias partes do Brasil e uma tradução inédita de um texto da pesquisadora francesa Nicole Brenez. O livro será o terceiro lançado pelo Cinecipó”, conta.

 

A programação do 11º Cinecipó vai exibir oito sessões seguidas de debates com a presença de membros das equipes dos filmes, da curadoria e pesquisadoras. A programação online, com uma parcial dos filmes, poderá ser acessada pela plataforma Cine Humberto Mauro Mais pelo link https://www.cinehumbertomauromais.com/. Toda a programação é gratuita.

 

Nos dias 31 de outubro, às 15h30, e 1 e 2 de novembro, às 13h, serão realizadas sessões acessíveis com audiodescrição, Libras e legendas para surdos e ensurdecidos com a exibição dos títulos “Digo às companheiras que aqui estão”, de Sophia Branco e Luís Henrique Leal (2022, 34’), “Perto e você”, de Cássio Kelm (2021, 32’) e “Mutirã – O Filme”, de Lincoln Péricles – LKT (2021, 10’).

 

Oficina “Cinema e Arquivo. Invenção e Ruptura”, com Renato Vallone

 

Nos dias 4 e 5 de novembro, de 10h às 18h, acontecerá a oficina “Cinema e Arquivo. Invenção e Ruptura”, ministrada por Renato Vallone. Inscrições gratuitas no link https://abre.ai/cipooficina A oficina será realizada no Espaço Comum Luiz Estrela (Rua Manaus, 348 – Santa Efigênia).

 

De acordo com Renato Vallone, o curso transita pelo universo do cinema de remontagem, cinema de apropriação ou compilação cinematográfica – também conhecido por termos ingleses como “found footage” ou “mash up” – uma técnica que envolve busca e investigação de formas, signos e narrativas em materiais fílmicos de diferentes épocas. O “cinema de memória ou retorno” ou o “cinema de arquivo” como procedimento arqueológico na montagem, lida com a renovação de sentidos, afirmação ou ressignificação da história através de novas obras. A oficina consiste em introduzir a teoria e a prática dessa linha de trabalho por meio de debates, exemplos de filmes com as principais influências estéticas do cinema e a prática de exercícios de edição. Com esses procedimentos chega-se à percepção da criação autoral do montador cinematográfico no Brasil contemporâneo.

 

Na metodologia da oficina, primeiro haverá uma aula sobre os debates, exemplos de filmes e diversas teorias no campo da arte de reciclagem, tanto no mundo do cinema quanto do vídeo. Depois serão realizados trabalhos em diferentes linguagens como vídeo, fotografia, performance, intervenção urbana, entre outros suportes dependendo dos alunos. A ideia é que eles tratem desse espaço de invenção no campo da ressignificação de materiais preexistentes. 

 

Filmes destacados

 

Para Renan Eduardo, curador-assistente do 11º Cinecipó, a música, o batuque, a cantiga, a voz que relata ou o seu silêncio são dimensões sonoras nos quais determinados filmes têm se apropriado como instrumentos e ferramentas de luta. Junto a movimentos sociais, grupos minoritários e/ou povos oprimidos, o canto das ruas, as vozes que protestam, os áudios arquivísticos e os relatos pessoais compõem uma “sinfonia do levante popular” que, de diferentes maneiras, se manifestam no conjunto de obras. “Tal dimensão e suas múltiplas possibilidades de aparição vocal surgem como um dos fios que compõem de diferentes formas os filmes ‘Quem de direito (Ana Galizia, 2022), ‘Filme de Luta histórias de ocupações urbanas em Belo Horizonte(Comissão de comunicação e cultura do MLB, 2022) e ‘Mato Seco em Chamas’ (Adirley Queirós e Joana Pimenta, 2022)”, diz.

 

Segundo ele, a voz de um corpo ou as variadas vozes que compõem um povo manifestam-se não apenas como um instrumento possível para enfrentar suas opressões, mas também como uma maneira de se fazer ouvido por aqueles que não os escutam. “Intervir vocalmente em meio ao seu território de feitura surge como um modo de criar outras sonoridades, inventar lendas junto a seus pares e criar uma nova maneira de habitar aquilo que está ao seu redor”, relata.

 

O curador-assistente conta que “Mato seco em chamas” é um filme no qual a pluralidade e coletividade feminina se destacam em meio a filmografia de Adirley Queirós. O longa acompanha as aventuras clandestinas das “Gasolineiras da kebrada”, um grupo de ex-presidiárias composto por Chitara (Joana D’Arc Furtado), Léa (Léa Alves da Silva) e Andréia (Andréia Vieira), que refinam e distribuem ilegalmente gasolina no Distrito Federal após Chitara encontrar dutos de petróleo em um lote abandonado no Sol Nascente, quebrada de Ceilândia.

 

Além disso, existe, segundo Renan, no título “Mato seco sem chamas”, uma iconografia médica – visível nos arquivos históricos e na imprensa, por exemplo – bastante alinhada à semântica da guerra. Em termos mais precisos, há a recorrência de um tipo de imagem que cinde os corpos entre aqueles que sofrem e aqueles habilitados a combater o padecimento. São imagens alinhadas à avaliação moral que define quem está apto ou não para viver ou fazer viver.

 

“No geral, trata-se de um enquadramento biopolítico que revela a força das instituições e que destitui o poder e capacidade de agência de sujeitos em condição de adoecimento. Isso é percebido nas imagens documentais que recriam as condições de contato entre médicos e adoecidos, como é o caso de ‘Estamos te esperando em casa’; imagens que não isolam sujeitos de seus afetos, vínculos e redes de acolhimento, como ‘Perto de você’; e na afirmação do luto público como oposição à melancolia e ao esquecimento, como em ‘Abdzé Wede’õ’, ressalta.

 

Nessa teia que cartografa, em “Abdzé Wede’õ, o vírus tem cura?”, a experiência do coronavírus é narrada por Divino Tserewahú no território Xavante. Imagens de arquivo associadas a registros do tempo pandêmico compõem uma trama em que passado e presente se constituem mutuamente. Essa articulação, realizada na montagem, funciona de modo a imbricar as múltiplas violências enfrentadas por um povo: o novo vírus, a atuação do agronegócio na região, as expedições armadas pela tomada de suas terras, a contaminação deliberada no século XX. De modo não linear, “Abzé Wede’õ” apresenta uma malha que explicita uma gestão diferencial situada social e historicamente.

 

Segundo Caroline Cavalcanti, a construção de “Chão de Fábrica”, filme da diretora Nina Kopko, teve inspirações importantes como o espetáculo da Companhia do Latão. Já “O Pão e a Pedra”, cuja montagem retrata a greve dos metalúrgicos no ABC paulista, é baseado em uma greve real ocorrida em 1979, quando uma mulher se disfarça de homem, assume o cargo de operário dentro de uma fábrica e questiona as condições insalubres e hostis no ambiente de trabalho.

 

A curadora-assistente explica que “Chão de Fábrica” dialoga com outros inúmeros filmes que trazem como centralidade a luta pelo movimento trabalhista. A diferença de classes somadas a camadas de afeto e rotina, como em “Eles Não Usam Black-tie” de 1981 dirigido por Leon Hirszman, também conversa com a temática proposta por Nina.

 

“Um paralelo relevante a ser colocado é o pensamento e posicionamento de Silvia Federici, filósofa, autonomista, escritora italiana e feminista anticapitalista. Pioneira na década de 70 nos EUA, onde se radicalizou, ela passa a reivindicar salário para o trabalho doméstico. Federici se impõe em suas colocações e diz que a consolidação do sistema capitalista dependeu da subjugação das mulheres, da escravidão dos negros e indígenas e da exploração das colônias. A importância da fala da personagem Lenira dialoga com as pontuações da filósofa italiana que questiona o sistema patriarcal e trabalho reprodutivo, representado pelo cuidado com as crianças, com os doentes, com os idosos e tudo aquilo que tem a ver com a vida cotidiana. Silvia ainda pontua que na sociedade capitalista, não à toa, essas atividades não são remuneradas e, para exercê-las, as mulheres passam a ficar dependentes dos homens ou têm de assumir dois ou três trabalhos para sobreviver”, reforça a curadora-assistente Caroline. 

 

A curadora Marcela Lins explica que, sob as perspectivas socioeconômica e política, as mudanças climáticas têm criado uma nova questão a ser enfrentada pela humanidade: os refugiados ambientais. Os eventos climáticos extremos, somados à falta de preparo dos estados para promover qualidade de vida às populações locais, tem feito com que muitos sujeitos deixem sua região de origem em busca de qualidade de vida e conforto em outras cidades, estados e países. Os refugiados encontram diferentes desafios quando conseguem chegar ao seu novo destino. Além de esbarrar em barreiras inerentes às políticas migratórias, eles sofrem com a dificuldade de adaptarem-se à nova língua, à cultura local e à xenofobia por parte da população nativa.

 

“Neste contexto, o Cinecipó surge como um festival que traz filmes insurgentes, que busca levantar o debate crítico sobre as diferentes questões que constituem a contemporaneidade. A programação da edição 2023 do festival foi dividida em seis linhas de forças como trabalho – pandemia, mineração e meio ambiente, arquivos e memoração, levante e signos e saberes, que lançam mão das formas e da linguagem audiovisual para abordar narrativas que convidam o público a refletir sobre os temas citados por meio de experiências sensíveis”, diz.

 

Para Marcela, os filmes “Amazônia, a Nova Minamata?” (Jorge Bodansky, 2020) e “Garimpando garimpeiros” (2023), apresentam a perspectiva do garimpo na Amazônia. “O filme de Bodansky traz as disputas que envolvem o garimpo ilegal no território indígena do povo Munduruku.  Além da degradação ambiental provocada pelo garimpo, o filme denuncia a contaminação dos indígenas por metais pesados, especialmente o mercúrio, oriundo da extração de ouro nos leitos dos rios da região. A principal consequência da contaminação é a doença de Minamata, que afeta o sistema nervoso. Já “Garimpando Garimpeiros” é uma montagem experimental com vídeos que circulam nas redes sociais produzidos pelos próprios garimpeiros, que trazem a sua rotina de trabalho na região amazônica.

 

Já o curta “Newsreel 670 – Red Forests” traz, por meio de uma interessante montagem de imagens, uma série de relações entre a floresta e a migração. Ao mesmo tempo em que o narrador aponta que a floresta é local de vida e acolhimento, os elementos humanos nela presente –- como uma cerca de arame farpado – são usados para dividir e separar. É por meio da linguagem metafórica que os autores propõem esta relação. No filme tudo é político, inclusive, as florestas que acolhem os imigrantes que são barrados pela presença da cerca.

 

Desta forma, a principal mensagem que pode ser retirada deste conjunto de filmes relaciona-se aos diferentes usos e disputas pelo território. Infelizmente, grande parte destes interesses alinham-se aos do capital, que pouco se importa com as consequências que serão vividas por grande parte da população. “Estes filmes são protestos em imagens que buscam sensibilizar o público acerca das urgências provocadas pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas. Se não tomarmos uma nova postura e repensarmos nossas formas de consumo, logo não haverá terra para que as futuras gerações possam viver e usufruir. Se os grandes empreendimentos se apropriarem terão se apropriado de todos os bens, e restará apenas a violência”, finaliza a curadora-assistente.

 

Mini-bios dos curadores

 

Luiz Pretti é diretor, montador, improvisador livre e caixeiro de Maracatu. Sócio da produtora mineira Errante. Dirigiu inúmeros filmes exibidos em festivais internacionais como Locarno, Rotterdam, entre muitos outros. Seus filmes foram lançados em salas de cinema no Brasil. Luiz Pretti trabalha também como curador, consultor de montagem e professor de oficinas voltadas para a prática cinematográfica, principalmente montagem.

 

Marcela Lins é jornalista, artista visual e doutoranda em Comunicação Social pela UFMG. Já atuou como pesquisadora em diversos projetos e participou de exposições individuais e coletivas. Atualmente, vem trabalhado com questões relativas à imagem, memória, arquivos, vulnerabilidades e insubmissões.

 

Luís Flores é Doutor em Comunicação Social pelo PPGCOM/UFMG e Mestre em Cinema pelo PPGArtes/UFMG. Professor, curador e pesquisador de cinema, Luís organizou as retrospectivas de Trinh T. Minh-ha e Rithy Panh no Brasil. Foi curador do FestCurtasBH e do forumdoc.bh. É curador da Lona – Mostra Cinemas e Territórios e coordenador de curadoria do CineCipó – Festival do Filme Insurgente. Contribui com o núcleo audiovisual do Espaço Comum Luiz Estrela e com o Cine Socialista (Casa Socialista).

 

Curadores/Assistentes


Aline Mendes Pereira é estudante de licenciatura em Ciências Sociais na UFMG e bolsista no PET (Programa de Educação Tutorial). Coordenou um projeto de convivência na Moradia Universitária, onde foi residente e também um projeto financiado pela PRAE UFMG de iniciativas estudantis. É integrante do CinePET, iniciativa que exibe produções audiovisuais e debate com alunos do ensino médio de escolas da rede pública e atua no desenvolvimento de eventos acadêmicos e culturais na universidade. 

 

Caroline Cavalcanti é realizadora no audiovisual residente de Lagoa Santa, Minas Gerais, se inspira no cinema mineiro e produz essencialmente de forma independente. É PcD auditiva há cinco anos e tem experienciado novas relações com o som.

 

Nina Machado é uma artista belo-horizontina formada em Artes Visuais pela UFMG com Formação Transversal em Culturas em Movimentos. Tem como foco em sua produção artística a fotografia analógica, vídeo artes e escrita poética. Transita pelo cinema desde antes da graduação e é fascinada pela montagem. Recentemente, teve uma crítica publicada no Caderno de Crítica do projeto “Oralidade e escrita em narrativas audiovisuais contemporâneas realizadas por mulheres”.

 

Renan Eduardo é bacharel em Cinema e Audiovisual pela PUC Minas e mestrando em Comunicação Social pela UFMG. Foi co-fundador e apresentador do Podcast Cinema em Transe, integrou o Júri Jovem da 25ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Publicou críticas, ensaios e entrevistas em veículos como a Revista Camarescura, a Plataforma Indeterminações e Cine Humberto Mauro Mais, o corpo crítico do FestCurtasBH, o catálogo da Mostra Curtametralha, entre outros. Atualmente Renan é apresentador do Plano B Podcast e editor da Revista Descompasso. Marcela Lins

 

Sabrina Garcia é jornalista com formação complementar em Geografia. Na graduação, pesquisou sobre as relações entre o Cinema de Contagem e o território. É apaixonada por cinema e literatura. Atualmente é mestranda do PPGCOM/UFMG na linha Pragmáticas da Imagem.

 

Tainá Lima, graduanda em Cinema e Audiovisual pela PUC-Minas, atua como fotógrafa, diretora, roteirista, montadora e colorista em produções independentes.

 

Sobre Renato Vallone, ministrador da oficina

Renato Vallone foi o vencedor do prêmio de melhor montagem documental com o filme “Cinema Novo” no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em 2017. Nascido e criado na zona periférica do Rio de Janeiro, foi considerado, em 2016, um dos mais inventivos montadores do cinema brasileiro e recebeu reconhecimentos importantes: L’Oleil D’Or (Olho de Ouro) – Melhor Documentário – FESTIVAL DE CANNES 2016 – CINEMA NOVO, Prêmio de Montagem – SANFIC Festival Internacional de Cine do Chile – CINEMA NOVO, Prêmio de Melhor Montagem – ABRACCINE – CINEMA NOVO, Prêmio Éder Manzini – Montagem – Memorial do Cinema Paulista – CINEMA NOVO, Prêmio de Montagem – Festival Internacional Panorama Coisa de Cinema da Bahia – CINEMA NOVO. Montou também o longa CAMPO DE JOGO (FESTRIO 2014; 58o BFI London Film Festival 2014; Documentary Fortnight do MoMA – NY 2015). Finalizou, recentemente, a montagem de seu primeiro longa-metragem de ficção, “Miragem”, do diretor Eryk Rocha, e participará da competitiva VENICE CLASSICS DOCUMENTARY no FESTIVAL DE VENEZA com o Doc HUMBERTO MAURO do diretor Andre Di Mauro. Site pessoal http://renatovallone.com.

Informações

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Informações para o público

(31) 3236-7400